sábado, 16 de outubro de 2010

SACRIFÍCIOS, MALEFÍCIOS E OUTROS ARTIFÍCIOS


Não será de estranhar que tendo por pano de fundo o Orçamento Geral do Estado (OGE) e a nova lista de medidas para combater o défice público abundem as notícias sobre os “sacrifícios” que se aproximam.

Como sempre, jornalistas e comentadores preocupam-se fundamentalmente com a notícia (ou o seu sensacionalismo) e raramente com a análise e a fundamentação do conteúdo. Saltitando de sensacionalismo em sensacionalismo (que o mesmo é dizer de notícia em notícia), absorvem a atenção dos leitores com um novo motivo de interesse a cada título, tratam cada pretensa novidade como a mais importante, deixando pouco ou nenhum espaço para uma reflexão sobre os assuntos. Assim, se compreende a multiplicidade de notícias que referem este ou outro aumento de imposto, esta ou outra redução de benefício social, esta ou outra redução de salário, mas apenas muito raramente aprofundam a origem destas propostas além da estafada necessidade de reduzir a dívida para acalmar os “mercados”.

Verdade se diga que os responsáveis públicos (políticos e técnicos da área do governo ou da oposição) raramente vão além nos discursos e nas intervenções que proferem. Exemplo disso voltaremos seguramente a ter durante o período da discussão da proposta de OGE agora apresentada pelo governo.

Em substituição de um debate claro e esclarecedor sobre a justificação e o alcance das medidas incluídas no OGE , voltaremos a assistir a uma troca de “galhardetes” e outros “mimos” entre as bancadas parlamentares sem que isso acrescente o que seja à compreensão do problema. Os partidários do OGE e os seus críticos esgrimirão argumentos e contra-argumentos como se uma acirrada partida de ténis ou de vólei se tratasse, deixando ao País a ideia que aquilo que discutem é além de uma inevitabilidade, qualquer coisa que está para além da compreensão dos simples mortais, como nós...
Na realidade, um documento com a importância deste passará pelo crivo dos representantes do Povo como se de algo de inevitável se tratasse. Não que aqui ou ali não surja uma notícia ou uma referência acontecimentos tão inócuos quanto o facto, noticiado pelo I, de que o  «BCE veio a Portugal pressionar Sócrates no OE 2011», mas que não conhece outro destaque além da sua simples constatação, como se a presença de uma «...alta individualidade...» do BCE ou a referência ao facto desta ter vindo expressar «...a sua inquietação com Portugal...» fosse algo de inócuo e não sinal da existência de uma política concertada em grande escala e em benefício dos principais responsáveis pela crise global que atravessamos.

Perante o rápido crescimento das dívidas dos Estados ocidentais que pressurosamente acorreram a injectar a liquidez que não tinham nos bancos falidos em consequência do seu envolvimento na espiral de especulação financeira mundial, o banco dos bancos do Euro (BCE) assume-se como o paladino das finanças sãs e o grande impulsionador das políticas que, conhecidas como o Consenso de Washington foram impostas por esse Mundo fora pelo Banco Mundial e pelo FMI, já deram amplas mostras da sua ineficiência e que no geral estão consubstanciadas nas grandes linhas de actuação há dias anunciadas pelo governo português.

Como poderemos não recear o pior quando até os próprios EUA e o FED (o Banco Central do Dólar) se mostram predispostos a privilegiar políticas que favoreçam o crescimento[1] em detrimento dos reequilíbrios orçamentais?


Quando no final do mês de Setembro foram anunciadas as novas medidas de austeridade a incluir no OGE para 2011 e dentre as mais destacadas se contava a proposta de corte de 5% na massa salarial da Função Pública e o aumento do IVA de 21% para 23% (apresentadas como indispensáveis para reduzir a despesa pública e o défice público), que além dos seguros efeitos recessivos na economia nacional (importa não esquecer que uma redução do poder de compra das famílias se fará rapidamente sentir num tecido económico que apresenta já evidentes sinais de fragilidade) nunca poderão apresentar os resultados que os seus defensores lhes atribuem porque assentam em pressupostos manifestamente errados, como seja a pretensão de que a redução dos salários dos trabalhadores das empresas do Sector Empresarial do Estado contribuirá para a redução da despesa pública, pois aqueles salários não representam um encargo directo do OGE. Assim, os 150 milhões de euros de poupança anunciados pelo ministro das Finanças serão contabilizados nas contas daquelas empresas e não nas do OGE; converter-se-ão em acréscimo dos lucros (ou redução dos prejuízos), mas nunca em redução da despesa pública. O que será de certeza reduzida é a receita cobrada em IRS – qualquer coisa como 30 milhões de euros, caso se considere uma taxa média de incidência do IRS de 20% sobre aquela parte dos salários.

As novas medidas de austeridade a incluir no OGE para 2011, anunciadas no final do mês de Setembro, incluíram entre as mais destacadas a proposta de corte de 5% na massa salarial da Função Pública e o aumento do IVA de 21% para 23%. Apresentadas como indispensáveis para reduzir a despesa pública e o défice público mas que além dos seguros efeitos recessivos na economia nacional (importa não esquecer que uma redução do poder de compra das famílias se fará rapidamente sentir num tecido económico que apresenta já evidentes sinais de fragilidade), nunca poderão apresentar os resultados que os seus defensores lhes atribuem porque assentam em pressupostos manifestamente errados, como seja o de considerar os salários dos trabalhadores das empresas do Sector Empresarial do Estado (de que são exemplo a TAP, a ANA, a CP, a CGD, a ÁGUAS DE PORTUGAL, etc.) como encargo directo do OGE. Como bem o sabe o Ministro das Finanças, os 150 milhões de euros de poupança que anunciou, por aquela via, serão contabilizados nas contas daquelas empresas e não nas do OGE; convertendo-se em acréscimo dos lucros (ou redução dos prejuízos), mas nunca em redução da despesa pública. O que será de certeza reduzida é a receita cobrada em IRS – qualquer coisa como 30 milhões de euros, caso se considere uma taxa média de incidência do IRS de 20% sobre aquela parte dos salários.

Por estas razões e porque os efeitos cruzados e de sinal contraditório das medidas anunciadas prenunciam uma abordagem pouco cuidada do problema, fica a ideia geral que as medidas não visam tanto a redução do défice, mas antes proporcionar às associações patronais o clima propício a uma redução geral dos salários (como se referiu já numa notícia do DN que titula que «Patrões querem cortar salários»).

Poderá haver quem acalente sinceras esperanças de algum volte face na sequência da Greve Geral já convocada pela CGTP para 24 de Novembro. Apesar da iniciativa ter contado já com a adesão da outra grande central sindical (a UGT), as probabilidades parecem francamente reduzidas, seja pelo adiantado da data (na altura já o OGE terá sido aprovado na generalidade) seja pela histórica ineficácia de iniciativas congéneres.

Pode-se louvar a iniciativa e até o facto das duas centrais sindicais (tradicionalmente antagónicas) voltarem a concertar esforços e estratégias 22 anos volvidos sobre idêntica iniciativa (quando era primeiro ministro o actual Presidente da República e o cavalo de batalha era a revisão da legislação laboral), mas mantenho sérias dúvidas sobre a respectiva eficácia. Ficaremos bem na fotografia desfilando pela Avenida da Liberdade, mas tudo indica que nada mudará sem o recurso a outras formas de contestação.


[1] Leia-se a propósito a notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS que assegura que o presidente do FED «Ben Bernanke abre a porta a mais estímulos monetários»

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