quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O JOGO


Desiluda-se quem alimenta ainda alguma esperança de que a gestão da coisa pública é um assunto sério, tratado e dirigido por pessoas sérias; depois de Eduardo Catroga afirmar ao I que «Qualquer Orçamento deve ser aprovado na generalidade» ninguém mais poderá acalentar a menor dúvida que os assuntos públicos (afinal a qualidade de vida dos cidadãos) são objecto de um mero jogo.
Há muito que me tenho esforçado para denunciar esta situação, pelo que não posso deixar de agradecer o importante contributo que constitui o esclarecimento disponibilizado por Eduardo Catroga, tanto mais que não se trata de uma qualquer figura pública de segunda ou terceira linha. Longe de se tratar de um deslize de um qualquer novato recém promovido de uma qualquer “jota” ou recém licenciado, Eduardo Catroga é um ex-ministro das Finanças (por acaso até de um governo de Cavaco Silva), reputado gestor (acumula cargos de administração em três ou quatro grandes empresas), economista de mérito (premiado pela respectiva Ordem dos Econmistas e agraciado por Cavaco Silva com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo), pelo que as suas declarações adquirem um peso ainda maior.
Aliás, a propósito de jogo e de sintervenções de grandes figuras, que dizer da afirmação doutro prestigiado economista (também da área do PSD, ex-Goldman Sachs e recém nomeado Director do Departamento Europeu do FMI), António Borges, que durante uma conferência organisada pelo NYSE Euronext e prontamente citado pelo JORNAL DE NEGÓCIOS afirmou que, como corolário das dificuldades de colocação da dívida soberana nos “mercados”, «Estamos de joelhos perante o Banco Central Europeu»?
António Borges alude, nem mais nem menos, ao facto de Portugal estar dependente da actual política do BCE de apoio às dívidas soberanas da Zona Euro, facto que apenas confirma a ideia de que o real problema da subida do risco da Dívida Pública Portuguesa (e doutras denominadas em Euros) resultar principalmente das estratégias especulativas do sector financeiro internacional, pois se o BCE fosse uma verdadeira entidade de interesse colectivo europeu (veja-se aqui a distribuição do capital do BCE) da Zona Euro (por via da participação destes nos Bancos Centrais dos estados-membros), esta até deveria ser a forma correcta dos estados-membros satisfazerem as suas necessidades de financiamento. A preocupação expressa por António Borges, genuína quanto aos riscos que comporta é, nem mais nem menos que a confirmação daquilo que algumas vezes aqui referi: o poder de criação da moeda concentrado nas mãos dos banqueiros e fora da alçada e do escrutínio públicos constitui um problema gravísimo que só conhecerá solução quando a situação for invertida, fazendo regressar à esfera pública esse poder de criação da moeda.
De quando em vez, e desde que devidamente cruzada, a informação que a imprensa divulga lá acaba por revelar mais que o que os autores (e os actores...) pretendem.

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