sábado, 6 de setembro de 2008

ELEIÇÕES EM ANGOLA

Quando dois, ou mais, povos partilham uma língua comum é natural que o que de bom ou de mau acontece a um seja objecto de especial interesse pelo outro. Serve isto para explicar o porquê de um olhar especial sobre as eleições angolanas, tanto mais que este país e o seu actual regime político não representam um especial problema no continente africano, sobretudo quando comparados com países como o Zimbabwe ou o Quénia, onde os processos de partilha de poder ainda se encontram longe de resolvidos, ou regiões como a dos Grandes Lagos Africanos onde tardam em ver-se resolvidos os conflitos étnico-regionais.

Resolvido o conflito armado que opôs o MPLA à UNITA, que se arrastou ao longo de 27 penosos anos[1] e se resolveu após a morte de Jonas Savimbi, o líder histórico da UNITA, em Fevereiro 2002, foram ainda precisos seis longos anos para se retomarem os normais procedimentos eleitorais.

Como observador externo do acto, e mesmo congratulando-me por ele, não posso deixar de lembrar aqui algumas das incongruências que, receio bem, irão continuar a inquinar a vida política, social e económica angolana nos próximos tempos.

O governo responsável pelo processo eleitoral é dirigido por uma personalidade, José Eduardo dos Santos, que ocupa o cargo de presidente da república angolana desde 1979, apenas foi alvo de um processo de escrutínio eleitoral, em 1992 e que esteve na origem do reacendimento da luta armada, e é vulgarmente apontado como um dos grandes responsáveis pelo clima de corrupção que grassa no país, factos que não augurando o melhor dos climas eleitorais parecem não ter inviabilizado o processo actual.

Sobre este, vários foram os observadores internacionais que referiram a existência de problemas, principalmente em Luanda onde várias assembleias de voto não dispunham, à hora de abertura, de boletins de voto e de cadernos eleitorais, anomalia que já levou a UNITA a pedir a repetição do acto eleitoral[2] e a Comissão Nacional Eleitoral a anunciar o funcionamento das urnas no dia seguinte[3]. Mesmo assim, o presidente José Eduardo dos Santos, segundo noticiou o PUBLICO, não perdeu a oportunidade para afirmar que tudo corria bem.

As críticas, que só se fizeram sentir com maior intensidade após a abertura das urnas, talvez como relatou o PUBLICO, por que o «…entusiasmo do MPLA, no poder, contagiou nos últimos dias observadores às eleições «…» em Angola. Ainda a votação não tinha começado, e a ideia de que as eleições serão livres e justas circulava nos últimos dias em Luanda», têm chegado principalmente de ONG’s, como a Human Rights Watch ou a Open Society, e referem alguma falta de equidade entre os partidos concorrentes durante o período de campanha[4]; os observadores da UE são de opinião contrária e defendem mesmo que o processo angolano poderia servir de exemplo para os vizinhos africanos do Zimbabwe e do Quénia.

Mesmo considerando o enorme esforço aplicado no processo, expresso nomeadamente na aquisição do mais moderno software para o tratamento informático da contagem dos votos e do processamento dos resultados, e sem poder observar a situação “in loco” a simples consulta à página Internet da Comissão Nacional Eleitoral e à lista dos 14 partidos concorrentes origina uma questão que julgo pertinente e talvez esclarecedora do processo político angolano. Quando os dois principais agrupamentos políticos se chamam respectivamente Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) qual o nível de cultura política existente e até onde existirá uma verdadeira atmosfera de debate político?

Mesmo considerando o baixíssimo grau de escolaridade da população angolana e a completa ausência de hábitos eleitorais como é que se poderá esperar algo de francamente positivo de um processo político onde parecem pontificar os princípios subjacentes aos métodos armados de conquista do poder?

Assim, é óbvio que nem os muitos milhões gastos pela oligarquia no poder conseguiram escamotear o fracasso em que todo este processo se está a converter e para completar este cenário só falta os observadores da UE darem o seu beneplácito à situação[5], o que julgo não evitará mais um conturbado período pós-eleitoral.
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[1] Como outras guerras civis, em especial as que se enquadraram no período em que EUA e URSS disputaram a liderança mundial por interpostas nações e que ficou conhecido como Guerra Fria, a guerra civil angolana registou períodos de reacendimento com outros de relativa acalmia, dos quais foi grande paradigma o período que mediou entre a assinatura dos Acordos de Paz de Bicesse (assinados entre o MPLA e a UNITA graças à mediação portuguesa) e a realização das primeiras eleições multipartidárias em 1992, a que se seguiria novo reacendimento em resultado da contestação que a UNITA fez dos resultados.
[2] Enquanto a notícia como foi transmitida pela TSF refere o pedido de repetição, o CORREIO DA MANHÃ refere a apresentação formal de um pedido de impugnação.
[3] Mais uma notícia da TSF.
[4] Concretamente a Human Rights Watch acusa o governo angolano de não ter oferecido todas as condições para a realização de umas eleições livres enquanto lança suspeitas sobre o financiamento do MPLA; conjuntamente com a Open Society (ONG ligada ao Open Society Institute financiado por George Soros) referem ainda a forma especialmente favorável ao MPLA como a imprensa cobriu a campanha.
[5] A avaliar por estas notícias da RTP e do PUBLICO, tal não deverá acontecer, mas...

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