domingo, 14 de setembro de 2008

TOO BIG TO FAIL…

A semana iniciou-se com a notícia da intervenção do Tesouro norte-americano nas duas principais instituições financiadoras do crédito hipotecário naquele país. Conhecidas sob a designação de Fannie Mae e Freddie Mac, tratam-se de empresas privadas que operam, sob mandato público, como financiadores de bancos e outras empresas financeiras que concedem créditos hipotecários; classificadas entre as “too big to fail[1] vêem agora abertas os cofres públicos para as salvar, e aos seus accionistas, da falência.

Desde as primeiras notícias sobre a crise do “subprime” que o Fannie Mae e o Freddie Mac passaram a estar no centro das atenções de banqueiros (clientes das duas empresas), do FED (entidade de financiamento e supervisão do sistema financeiro norte-americano) e dos milhões de agregados familiares que com maiores ou menores dificuldades se lançaram na aquisição de habitações próprias. Aos primeiros sinais de dificuldades registadas pelos bancos que realizaram investimentos desproporcionados em produtos derivados daqueles créditos hipotecários (créditos que para cúmulo foram contratados com agregados familiares de baixos rendimentos ou de rendimentos incertos – o tal “subprime”) que normalmente beneficiaram de classificações de risco em função da credibilidade do banco emitente e não da solidez dos créditos hipotecários subjacentes, a solução gizada pelas autoridades financeiras (FED, nos EUA, BCE, na UE, e bancos centrais noutros países) foi a de disponibilizar volumes crescentes de fundos (dólares, euros e outras divisas) aos bancos por forma a evitar uma degradação dos seus balanços, a quebra de confiança dos depositantes e, no extremo, a falência.

Quase volvido um ano, após sucessivas injecções de moeda e a persistência dos sintomas de degradação da situação, a administração Bush resolveu dar mais um passo no sentido de evitar o colapso e em meados de Julho, o secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, pediu autorização ao Congresso para poder comprar participações ilimitadas naquelas duas empresas bem como conceder-lhes financiamentos. Na oportunidade aquele responsável governativo afirmou (segundo esta notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS) pretender evitar o colapso da confiança no sector financeiro e não excluiu mesmo a utilização, em caso de necessidade, de dinheiro dos contribuintes.

Prometido e cumprido! No passado dia 7 a administração Bush anunciou uma nacionalização envergonhada do Fannie Mae e do Freddie Mac e de pronto tudo pareceu resolvido.

Como num passe de mágica ou algo saído da prolixa imaginação dos guionistas cinematográficos de Hollywood, eis que os mercados de capitais registaram, na segunda-feira seguinte, rápidas e fulgurantes subidas, como noticiou o FINANTIAL TIMES, enquanto o nosso DIÁRIO ECONÓMICO anunciava que o «...sistema financeiro dos Estados Unidos voltou a fazer história. Com o objectivo de evitar o colapso das duas maiores instituições hipotecárias do país (Fannie Mae e Freddie Mac), o governo norte-americano decidiu tomar o controlo destas empresas, substituindo os seus presidentes e eliminando dividendos», só que isso custará ao Tesouro norte-americano (e aos seus contribuintes) um valor ainda por apurar, mas que, segundo a mesma fonte, poderá atingir os 211 mil milhões de euros (1,3 vezes o PIB português)... e esta foi apenas a terceira intervenção, depois das ajudas ao Bear Stearns e ao IndyMac, do governo americano no sistema financeiro após o início da crise do “subprime”, mas, a avaliar pelas notícias do FINANTIAL TIMES e do LE MONDE que dão conta da desesperada situação financeira do LEHMAN BROTHERS, não deverá ser a última, pelo que não tardará a surgir a questão: até onde o super endividado orçamento federal norte-americano poderá suportar este esforço? e até onde os contribuintes estarão dispostos a aceitar que “pagar” pelos erros de gestão dos sumptuosamente remunerados administradores das empresas financeiras?

Mesmo admitindo a legitimidade e a boa intenção que rodeará a decisão de evitar a todo o custo as falências do Fannie Mae e do Freddie Mac – com as inevitáveis consequências sobre a economia em geral e em particular sobre o já debilitado mercado imobiliário – esta torna-se particularmente difícil de entender no contexto de uma economia que se vangloria dos extremos benefícios das suas práticas liberais (e que até se autoproclama seu principal defensor e divulgador mundial) e pior, é passível de duras e fundadas críticas dos investidores noutros sectores de actividade que dificilmente entenderão a dualidade de critérios que justifiquem a apoio apenas a empresas do sector financeiro.

Enquanto a opinião pública ainda digere a notícia e a enormidade do esforço financeiro que a opção vai exigir, o coro de críticas ainda não se faz sentir, mas outros factores poderão contribuir para acelerar todo este processo. Entre estes destaco o anúncio de que os dois CEO[2] do Fannie Mae e do Freddie Mac deverão receber milhões de dólares a título de indemnização[3] pelo seu afastamento dos cargos, algo tanto mais inexplicável quanto alguns fontes atribuem responsáveis um importante papel no colapso das instituições que dirigiram.

A confirmar-se esta situação e o esperado colapso (e a consequente venda) do Lehman Brothers, qual irá ser agora a reacção do mercado?

E as soluções até agora aplicadas pelo FED (cortes sucessivos nas taxas e injecções constantes de enormes volumes de crédito) e pelo Tesouro norte-americano (intervenção administrativa no Fannie Mãe e no Freddie Mac) em que medida irão ajudar as famílias sobreendividadas?

Ou tudo não passará afinal de uma enorme farsa para manter a predominância dos banqueiros na definição das orientações económicas globais?

Estarão os responsáveis da administração americana (actuais e futuros), os dos bancos centrais (FED, BCE e outros) e os dos organismos internacionais (FMI, Banco Mundial e OMC) disponíveis para prestar atenção a avisos como o que proferiu há cerca de um mês um ex-economista chefe do FMI, Kenneth Rogoff, quando afirmou[4] que a crise irá continuar a aprofundar-se e que iremos assistir ao colapso não apenas de bancos de média dimensão mas também ao de algum dos grandes? e abertos a críticas como a que o mesmo especialista proferiu contra a política de descida abrupta de taxas seguida pelo FED?
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[1] Expressão utilizada na terminologia económica anglo-saxónica para designar as empresas que pela sua enorme dimensão e importância no mercado não poderão falir.
[2] Chief Executive Officer, termo anglo-saxónico que designa o cargo de maior responsabilidade ou autoridade numa organização. Entre nós a designação pode ser aplicada às funções de Administrador-Delegado ou Presidente da Comissão Executiva.
[3] Ver a notícia do WASHINGTON POST, «Ousted Fannie, Freddie CEOs Could Still See Big Paydays», que refere como possíveis montantes de indemnização valores da ordem das duas dezenas de milhões de dólares.
[4] A referência foi extraída da notícia «US bank ‘to fail within months’» difundida pela BBC NEWS.

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