domingo, 29 de abril de 2007

AS UNIVERSIDADES PRIVADAS EM PORTUGAL

Na sequência do caso da Universidade Independente, têm-se sido constantes as notícias, em jornais, na Net e na televisão, sobre as universidades privadas.

Não que o caso da investigação de fraudes e de acusações de gestão danosa que têm rodeado aquela universidade constitua um caso de novidade - para os menos atentos sempre recordo que desde a criação da primeira universidade privada, a Universidade Livre em 1979, estas instituições se têm visto rodeadas de casos que de uma forma ou outra têm manchado a sua reputação (e as de proprietários e seus académicos) e contribuído para alguma da reserva com que muita gente as olha – mas porque a par destas, outras questões têm surgido.

O polémico caso das equivalências atribuídas pela Universidade Independente ao actual primeiro-ministro foi apenas mais uma gota de água num oceano de controvérsias que agora ameaça alastrar, pelo menos a avaliar por notícias como esta do
PORTUGAL DIÁRIO, que entre outras anomalias na Universidade Moderna refere a ausência de livros de termo[1]; leia-se o corpo da notícia e verifique-se como antigos professores daquela escola afirmam não terem assinado tal documento.

Esta falta de credibilidade, cada vez mais trazida a público, poderá ser uma das razões para o declínio no número de alunos que aquelas escolas vêm registando; não será o único, mas é importante.

Apesar desta instabilidade parece manter-se intacto o enorme interesse que este tipo de negócio desperta em vastos sectores da sociedade, só assim se compreendendo que quase todas as universidades que resultaram da implosão da Livre – a Autónoma, a Moderna, a Lusíada, a Portucalense e a Independente (esta depois de uma cisão ocorrida na Autónoma) – já tenham conhecido a sua quota parte de “problemas”[2] e que os seus responsáveis continuem impunemente a dirigir umas e a criar outras, como se uma tarefa tão vital quanto a da formação de quadros superiores em Portugal possa ser encarada de forma tão leviana como as disputas pela direcção do clube de futebol ou de xadrez do bairro.

Se recordarmos que as personalidades envolvidas nos múltiplos “casos” e escândalos que têm rodeado o ensino universitário privado em Portugal orbitam num circulo restrito (onde coabitam o mundo académico, o da política e o empresarial), que muitas delas têm, tiveram e/ou terão responsabilidades governativas, as possíveis razões para esta sucessão de casos talvez comecem a ficar um pouco mais claras.

Se a este dado juntarmos um aumento desenfreado na concorrência entre escolas, fruto da redução do número de alunos (facto perfeitamente explicável pela estrutura da pirâmide etária nacional) e das alterações legais que desde há uns anos eliminaram a escandalosa possibilidade de frequência universitária aos alunos do ensino secundário sem classificação positiva nos exames nacionais, e a consequente diminuição dos proveitos, começaremos a olhar para o problema sob uma nova perspectiva e talvez a formular questões inquietantes.

Porque é que o Estado (enquanto organismo a quem compete a supervisão do sistema nacional de ensino) pouco ou nada tem feito para normalizar esta situação?

A resposta correcta não me parece que resulte de considerandos sobre o tradicional imobilismo da função pública, nem deverá ser explicável apenas pela existência de evidentes conflitos de interesses no seio da comunidade académica (muitos dos professores exercem as suas funções indistintamente em universidades públicas e privadas) mas procurada numa demasiado evidente promiscuidade entre quem gere/dirige a actividade das universidades privadas e o poder político. Só assim se tornam compreensíveis as “aparições” de figuras como Paulo Portas, Santana Lopes, Marques Mendes e José Sócrates[3], que mais que desenvolverem uma actividade docente (ou outro tipo de parceria com a universidade), servirão para assegurar a continuidade das respectivas universidades.

Se nem esta espécie de “protecção” eliminou a existência de mecanismos de controlo e acompanhamento da actividade das universidades e se as “anomalias” são conhecidas, porque é que os relatórios de avaliação das universidades nunca conduziram à aplicação e qualquer tipo de sanções?

A resposta a esta questão é simples, e prende-se apenas com o facto dos inspectores apresentarem relatórios suficientemente dúbios[4] para não justificar qualquer tipo de intervenção. Isto é ainda mais inquietante e revelador da forma como funciona a nossa sociedade, a teia de influências vai garantindo a impunidade a quem consiga gravitar na “esfera dos poderosos”.

Por último, como se pode explicar que em todo este conturbado processo de constituição de universidades privadas seja possível ver circular entre elas as mesmas personalidades académicas e empresariais sem que até ao momento tenha sido efectuada qualquer investigação? Como se explica a, quando existe uma tão empenhada campanha na luta contra o branqueamento de capitais, a quase omnipresença de empresários africanos nos bastidores destas universidades, sem que até ao momento isso tenha levantado junto das entidades responsáveis qualquer curiosidade?

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[1] O livro de termo é o documento onde o professor “lança” a nota da cada aluno e que em caso de dúvida futura funcionará como prova.
[2] Normalmente associados a lutas internas pelo controlo e direcção das “sociedades” gestoras das universidades.
[3] Sócrates não exerceu a actividade de professor na Universidade Independente, mas segundo o próprio afirmou foi para tal convidado logo que concluiu ocurso.
[4] Recorde-se o que assistimos há umas semanas no programa PRÓS E CONTRAS, da RTP, quando a jornalista afirmou que inspectores lhe haviam confidenciado o mau funcionamento a Universidade Independente e um dos intervenientes leu as conclusões do referido relatório, que nada de grave apontava.

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