quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O ESCUTAGATE

Não fora a seriedade da questão e quase que me apetecia iniciar este “post” com a confirmação da inevitabilidade da brincadeira de um título em clara alusão ao célebre escândalo Watergate que nos anos 70 do século passado custou a presidência dos EUA a Richard Nixon.

Mas o caso é que, tal como aquele célebre imbróglio, também este envolve personalidades não apenas dos dois maiores partidos políticos nacionais (que têm monopolizado o poder nos últimos trinta anos), como a principal figura da hierarquia governativa nacional.

Mais, este é o segundo caso que envolve destacadas figuras do círculo interno de Cavaco Silva e mais um em que este sai profundamente atingido. Como se não bastasse o famigerado apoio a Dias Loureiro (muito além do politicamente razoável) e o tristíssimo papel a que se sujeitou quando foi prestar vassalagem ao vice-rei Alberto João (o mesmo que uns tempos antes e a propósito das críticas que tecera à polémica governação do inqualificável Santana Lopes o apodou de “Sr. Silva”), eis que agora depois do jornal PUBLICO ter denunciado, no passado mês de Agosto, a existência de escutas no Palácio de Belém e de na semana passada o DIÁRIO DE NOTÍCIAS ter revelado que a fonte da informação fora Fernando Lima, o assessor de imprensa, e que falta confirmação para que a questão passe de mera elucubração, o Presidente começou por anunciar do alto da sua postura majestática que só se pronunciaria após o acto eleitoral do próximo Domingo; porém, uns dias depois e de forma inesperada fez publicar uma seca nota de imprensa demitindo aquele assessor.

Pior que cumprir o silêncio que prometera e que poderia obviamente ser interpretado das mais diversas formas pelas forças políticas em liça, a actuação de Cavaco Silva não silenciou a questão, antes a ampliou ao abrir novas vertentes interpretativas.

De um “affaire” de bastidores potencialmente útil aos defensores da tese da “asfixia democrática”, rapidamente se derivou para um provável caso sórdido de manipulação e pura intriga política, relativamente ao qual ainda faltará apurar o grau de participação e responsabilidade do próprio Cavaco, embora as declarações do seu ex-assesor indiciem a sua conivência.

Além das fundadas dúvidas expressas por Pacheco Pereira, que escreveu no seu “blog”:

«NOTAS SOLTAS QUASE SEM TEMPO:
INTERFERIR POR ACÇÃO E INTERFERIR POR OMISSÃO
O Presidente da República tem certamente coisas graves para dizer ao país e entendeu que se as dissesse interferia no acto eleitoral. Muito bem, compreende-se que o faça, embora também se interfira na campanha por omissão. Mas o Presidente rompeu o seu próprio silêncio e "falou" através da demissão do seu assessor de imprensa e, sendo assim, interferiu de facto na campanha eleitoral. Mais valia agora que dissesse tudo para não acordarmos no dia 28 sabendo coisas que mais valia que fossem conhecidas já. Para contarem para a decisão de voto dos portugueses, com cujo resultado final ele já está inevitavelmente comprometido.
» (in
ABRUPTO, em 22. 9.09)

outras podem e devem ser equacionadas, incluindo as que questionem as vantagens que Pacheco Pereira e a sua patrocinada Manuela Ferreira Leite esperam retirar (ou os prejuízos que tentam minorar) com esta interpelação à sua Alma Mater.

Entre as muitas hipóteses que se podem levantar em torno da opção de Cavaco Silva – a demissão de Fernando Lima tanto pode significar o repúdio da sua actuação, como uma tentativa de afastamento relativamente às consequências políticas do envolvimento da primeira figura do Estado, ou até a confirmação da existência do clima de suspeição acompanhada da penalização de quem terá gerido mal aquela informação – e que podem ser lidas em quase todos os órgãos de informação, continua a existir espaço para a formulação de outras.

Entre os que vêem na actuação do Presidente da República a inocentação do PS e um óbvio esvaziamento da famigerada tese da “asfixia democrática”, tão cara às hostes laranja, e os que persistem na reafirmação da existência de fundadas razões para o clima de suspeição sobre a actuação do governo rosa, rotulando (ou não) a demissão de Fernando Lima de facto espúrio e pouco relevante, existe uma miríade de outras que oscilam entre aqueles dois extremos. E já não são só os comentadores e outros fazedores de opinião que se envolvem neste debate, pois a imprensa não pára de nos fazer chegar a opinião de politólogos e outros especialistas sobre as possíveis influências do caso nos resultados eleitorais de Domingo.

O que ainda não li, nem ouvi, foi alguém avançar a hipótese da intervenção de Cavaco Silva – a silenciosa demissão do seu assessor de imprensa – constituir uma mera manobra de sobrevivência política, consistindo basicamente na constatação de que assegurará um futuro político (leia-se reeleição) mais promissor com uma vitória do PS que com outro qualquer outro cenário.

A confirmar-se esta possibilidade, tão plausível como tantas outras que tenho lido, mais não será que a confirmação da sobrelevação do perfil bonapartista que há tantos anos aponto em Cavaco Silva[1] e que automaticamente o desqualifica para a função.

Perante mais este caso da nacional politiquice, tão útil para que a campanha eleitoral que decorre continue a orientar-se por outros interesses que não o da difusão de informação e o do esclarecimento dos eleitores, e o seu pronto aproveitamento por políticos, comentadores e jornalistas não será de estranhar que as últimas sondagens já mostrem um PS em crescimento e um PSD em queda.

A avaliar por estas reacções nada do que aconteceu – intriga palaciana envolvendo as principais figuras do Estado e do partido da alternância, “denunciada” por um jornal cujo proprietário se declarou há dias prejudicado pelo Governo em funções – irá contribuir para que se inverter a realidade que tem sido a governação deste país, nem a manutenção da política do “centrão” de interesses que PS e PSD têm representado; detentores do poder e seus alternantes continuam a agir em total impunidade, mistificando a sua actuação e iludindo os eleitores que continuam a oscilar entre as duas faces da mesma moeda.

Os esforços dos partidos com acento parlamentar (porque da acção dos restantes pequenos partidos não reza a imprensa) para contrariarem esta tendência de bipolarização dificilmente regista algum sucesso, pois além do muito que os divide há ainda a considerar o facto do CDS se apresentar como candidato perpétuo a uma coligaçãozinha que lhe assegure maior visibilidade e alguns (não desprezíveis) benefícios da gravitação das franjas do poder. BE e CDU (coligação entre comunistas e “verdes”) bem podem apresentar alternativas mais ou menos viáveis que só muito dificilmente conseguirão vencer o discurso que há sua direita os classifica como esquerda radical (forma simplista, mas sempre eficaz entre nós, de afastar os mais temerosos daquelas propostas) e atinge a paranóia recente da reedição dos perigos do PREC (conforme o atesta esta notícia do DN)[2].

Contrariamente à lógica e a um comportamento moral e ético de sólidos valores de respeito da liberdade e da democracia, que deveriam ditar a conduta daqueles que têm sido eleitos e dos que os têm eleito, o pôr do Sol do próximo Domingo não trará qualquer sanção sobre esta clique de pobres aprendizes de Maquiavel; infelizmente esta política de manobrismo e intriga palaciana não sofrerá a penalização eleitoral que merece, limitando-se a expectativa do pleito à resposta sobre a real influência de mais esta polémica intervenção de Cavaco Silva e se ela foi ou não decisiva para enterrar por algum tempo as esperanças do PSD.
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[1] Sobre este assunto ver o “post” «HABEMUS CAVACUM» que escrevi aquando da sua eleição.
[2] Atente-se que a radicalização do discurso do CDS de Paulo Portas não é de agora, pois desde o início da campanha que aquele político populista arvora para si e para o seu partido o estatuto de representante da maioria silenciosa, recuperando aquela que foi uma figura de estilo usada no Verão de 1974 para justificar a tentativa de golpe “putschista” do então Presidente da República António de Spínola.

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