quarta-feira, 15 de outubro de 2008

PÂNICO? QUAL PÂNICO?

As decisões do Eurogrupo para contrariar os efeitos da crise financeira de Wall Street, anunciadas no passado fim-de-semana na sequência da reunião realizada em Paris, parecem estar a dar resultados e as bolsas mundiais têm registado ganhos recordes nos últimos dias, mas será que estão mesmo ultrapassados todos os problemas?

Os governantes europeus parecem particularmente seguros e confiantes de que o plano de apoio ao sector financeiro gizado no seio do G7 e europeizado em Paris venha a resolver a crise de confiança que grassa no mercado interbancário, que tantas dissabores e dores de cabeça tem acarretado aos banqueiros de todo o Mundo, e o mesmo parecem pensar os mercados de capitais, mas analisando com maior pormenor o conceito que preside às soluções apresentadas – quer a americana quer a europeia – constata-se que esta apenas responde à questão imediata da falta de confiança. As origens da crise e as eventuais soluções para a respectiva correcção forma pura e simplesmente esquecidas.

Olhando apenas para o imediato e procurando a solução mais simples, o G7 decidiu, aprofundando ainda mais a estratégia norte-americana, apoiar até às últimas consequências os principais responsáveis pela situação, na mesma linha de raciocínio que apresentou António Borges numa entrevista ao PUBLICO; para os líderes mundiais as instituições financeiras não são de todo responsáveis pela crise do seu sector de actividade, pois a especulação a que se entregaram é condição “sine qua non” do seu funcionamento[1] e enquanto sector fundamental para o crescimento económico devem ser apoiadas no sentido de fazerem crescer o conjunto da economia.

Deixando para ocasião futura a discussão desta premissa, será que as decisões de apoio público ao sector financeiro dos países da Zona Euro é suficiente para resolver a situação? Bastará a promessa de pagamento pelo erário público das dívidas interbancárias para que tudo volte a ser como era? E, se assim for o que nos garante que ao menor sobressalto (a simples informação sobre novas dificuldades de tesouraria num banco) não voltará a repetir-se a situação?

É que a avaliar pela antevisão apresentada em meados de Junho pelo “think tank” europeu LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTECIPATION POLITIQUE, o segundo semestre de 2008 será particularmente sensível ao choque provocado pelo incumprimento originado nos CDS[2] e outros derivados financeiros directa ou indirectamente associados aos créditos “subprime” norte-americanos; este ainda se encontra em curso e as inúmeras notícias que referem as dificuldades da banca não só não são tranquilizadoras como não informam sobre a origem daquelas dificuldades.
Posto isto talvez se compreenda ainda mais porque é que há quem ache que a estratégia mais utilizada seja a do “salve-se quem puder”...

nos mercados e nos governos!

Se não, vejamos. A proposta britânica, que acabou transformada na estratégia da UE (a disponibilização dos fundos públicos necessários ao funcionamento do mercado monetário interbancário é, nem mais nem menos que o aprofundamento do Plano Paulson, com a inegável vantagem de não transmitir tão abertamente a ideia de que os governos estão a agir em defesa e benefício dos banqueiros e a possibilidade de acabar por não ser tão exigente do ponto de vista financeiro para o Estado) padece de um pequeno defeito de que a generalidade dos analistas e comentadores parece ter-se esquecido: nos tempos actuais os Estados modernos já não dispõem do monopólio da criação de moeda (esta actividade é partilhada com o sector financeiro) e caso seja conduzido ao extremo, a proposta poderá ser fortemente geradora de inflação por via da excessiva oferta de moeda.

Este efeito só não é garantido pelo facto dos empréstimos interbancários revestirem normalmente prazos muito curtos e não se traduzirem em efectivas injecções de moeda em circulação (a cada empréstimo acordado sucede uma rápida “destruição” de moeda na data de pagamento), pois limitam-se a movimentos contabilísticos entre os bancos comerciais e os bancos centrais, mas nem por isso deve deixar de ser observado no futuro.
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[1] Concretamente António Borges (ex-vice-presidente da GOLDMAN SACHS, um dos quatro bancos de investimento americanos fortemente envolvidos e fragilizados pela cascata de produtos financeiros estruturados com que inundaram o mercado de capitais mundial) atribui a responsabilidade às autoridades monetárias quando afirmou que estas «...deveriam ter percebido o que se estava a passar e travado a “bolha” com uma Política Monetária mais cautelosa (...) quando o fizeram foi muito tarde e de forma violenta, o que pôs um fim dramático na bolha especulativa»
[2] CDS, sigla que designa o Credit Default Swap, produto financeiro estruturado, tipificado sob a forma de um contrato em que o vendedor assegura ao comprador o pagamento em caso de incumprimento, por exemplo em caso de falência, doutro contrato sob o qual incide o acordo; inicialmente usado como mecanismo de protecção de risco, acabou por se transformar em objecto de transacção simples e instrumento de pura especulação face à ausência de mecanismos de controlo ou regulação sobre o mercado de derivados ‘over the counter’ ou de negociação directa.

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