quinta-feira, 8 de março de 2007

ASSIM NÃO!

A necessidade de melhoria dos níveis de formação da população portuguesa continua a figurar regularmente nos discursos dos nossos políticos; sejam eles da área do governo ou da oposição não há quem não desperdice a mais pequena oportunidade para lembrar que um dos grandes problemas da falta de competitividade da nossa economia resulta da reduzida formação dos trabalhadores (nunca ouvi nenhum deles referir a ainda mais dramática e grave falta de formação dos “patrões” e dos “dirigentes”).

Foi por isso com algum espanto que num destes dias li sobre a preocupação manifestada pelo presidente do conselho executivo da Escola de Música do Conservatório Nacional, em Lisboa, quanto à intenção do governo de José Sócrates acabar com o regime de ensino supletivo que escolas como a sua praticam. Na origem desta questão está uma proposta do Ministério da Educação para integrar o ensino da música no regime curricular do ensino básico ao secundário.

Louvável! dirão os que, como eu, têm defendido essa necessidade. Mas uma apreciação mais ponderada prontamente faz surgir uma outra questão: não estaremos, como em inúmeras outras ocasiões, a dar um passo maior que a perna?

Até agora no ensino básico apenas nos 5 e 6º ano (2º ciclo) existia uma disciplina de formação musical e invariavelmente leccionada em condições muito deficientes; de um momento para o outro o Ministério pretende estender o ensino da música à totalidade da escolaridade obrigatória. Sem explicar como (seja no que respeita aos conteúdos programáticos seja aos profissionais que os irão leccionar) pretende alcançar a meta que agora se propõe, o Ministério da Educação deixa campo livre a todo o tipo de especulações e de alarmismos.

É óbvio que entre estes contam-se os dos responsáveis e professores das poucas escolas que pelo país têm vindo a proporcionar a alguns jovens (muito poucos) a possibilidade da aprendizagem da música, recorrendo ao que se designa por ensino supletivo. Neste regime os jovens frequentam os estabelecimentos de ensino regular, onde aprendem as matérias curriculares, e uma escola de música, onde complementarmente adquirem os conhecimentos e as técnicas musicais.

Para debaterem a intenção agora apresentada pela Ministra da Educação os responsáveis pelos vários conservatórios de música nacionais reuniram-se e não lograram alcançar qualquer concertação sobre o assunto. Mesmo concordando nas inegáveis vantagens que poderão resultar da generalização do ensino da música, nem todas as escolas se mostram convictas das virtualidades da proposta.

Será que com esta iniciativa passaremos a ter maior disponibilidade para os alunos do secundário de opções de formação em áreas como as artes de palco? É que presentemente essa hipótese é praticamente nula fora dos grandes centros urbanos, e mesmo nestes a regra ainda é o recurso aos poucos conservatórios em funcionamento para através das tais aulas supletivas colmatarem essa lacuna.

Se a iniciativa agora proposta pelo Ministério vier a registar o sucesso que os seus autores esperam, poderemos dentro de uma década beneficiar de jovens melhor preparados para a vida activa, mas quando essa avaliação for realizada já teremos, quase seguramente, perdido os actuais conservatórios, que não sobreviverão por manifesta falta de alunos e respectivos recursos.

Sabendo-se que a formação de um músico é demorada e que em muitos casos o ideal é iniciar essa mesma formação em idades bastante jovens, ou o Ministério da Educação vai assegurar a contratação de centenas de profissionais altamente qualificados para leccionarem nas suas escolas ou veremos ainda mais empobrecido o nosso panorama musical num futuro próximo.

Como não creio em milagres (e o que o Ministério da Educação se propõe aproxima-se muito disso) e a capacidade financeira das famílias portuguesas é cada vez menor, o que seguramente irá acontecer é que os jovens que hoje ainda vão aprendendo música nos nossos conservatórios serão no futuro dos últimos a beneficiarem de uma aprendizagem de qualidade, seja porque a que receberão no sistema educativo deixará muito a desejar em termos de qualidade, seja porque os locais onde hoje ele é ministrado com a necessária qualidade tenderão a desaparecer ou a tornar-se proibitivos para as bolsas da generalidade das famílias portuguesas.

Por incrível que pareça, tudo isto acontece quase simultaneamente com a apresentação do Relatório Final do Debate Nacional sobre Educação, documento que aponta como uma das principais conclusões a inexistência de padrões de qualidade no sistema de ensino português.

Se ninguém, com um mínimo de isenção e conhecimento do meio académico e do ensino musical, pode negar que os conservatórios ainda são das escolas que disponibilizam melhor qualidade no seu ensino, como se explica esta ideia de asfixiar o ensino supletivo de música?

Será admissível, como o afirma o presidente do conselho executivo da Escola de Música do Conservatório Nacional que tudo resultou de um estudo que avaliou o sucesso do conservatório pelo número de diplomas atribuídos, esquecendo que o acesso às escolas superiores de música não se faz através da conclusão do conservatório, mas sim mediante audição?

Não estaremos uma vez mais a tudo submeter aos ditames da estatística e da ignorância de quem encomenda, realiza e decide sobre os “estudos técnicos”?

Não defendo com isto que o Ministério deva abandonar a sua intenção de introduzir o ensino da música no currículo do ensino básico, mas sim que a introdução do ensino daquela arte se deva fazer de forma progressiva, bem sustentada em profissionais competentes e que tanto quanto possível as redes escolares se organizem de forma a proporcionar estabelecimentos de ensino bem equipados, porque mais vale pedir um sacrifício aos jovens e aos encarregados de educação, que poderá consistir na opção de frequência da escola mais próxima com ensino de música, que pretender generalizar um mau ensino e, como tantas vezes tem acontecido entre nós, transformar uma boa ideia num péssimo resultado e com exorbitantes custos financeiros.

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