domingo, 11 de junho de 2006

REABRIU A LUTA DÓLAR EURO?

Na passada quinta-feira, 8 de Junho, o Banco Central Europeu decidiu subir a sua taxa de referência para o espaço Euro em mais 25 pontos-base; esta é a terceira subida desde Dezembro de 2005 e inserir-se-á, segundo os responsáveis do BCE, numa estratégia de prevenção contra a subida da inflação. Entende aquele organismo comunitário, responsável pela gestão do Euro, que o conjunto das economias da zona Euro apresentam sinais estáveis de crescimento, facto que poderá originar as primeiras tenções inflacionistas. Esta decisão era já esperada pelos mercados de capitais e os próprios bancos já tinham antecipado esta tendência, esperando até uma subida de 50 pontos-base, factos demonstrados pelo comportamento dos índices bolsistas e pela tendência de subida da Euribor.

Como é normal nestas situações sucederam-se as apreciações e análises dos operadores dos mercados mobiliários e imobiliários e as comparações da variação do Euro face ao Dólar americano. Neste último caso de pronto se notou uma queda na cotação do Euro, fixando-se abaixo de 1,27 contra o US$ pela primeira vez nos últimos 30 dias.

Algo de semelhante, pelo menos é essa a explicação dos analistas, tem vindo a acontecer com a regular subida das taxas americanas decidida pelo FED (Federal Reserve), que é o organismo encarregue da regulação das políticas monetárias e cambiais americana. Especialistas de ambos os lados do Atlântico explicam a subida das taxas de juro pela necessidade de controlar as tendências inflacionistas que o crescimento económico não deixa de gerar. Porém, aquilo que se verifica de ambos os lados são cenários macroeconómicos razoavelmente distintos; assim enquanto a economia americana continua a apresentar crescimentos económicos a par do agravamento da sua balança de pagamentos – o deficit entre importações e exportações não tem parado de crescer desde há meia dúzia de anos – as economias da zona euro apresentam crescimentos mais suaves mas sem agravamentos nas respectivas balanças. Assim, quando se conhece a crescente necessidade de capitais que atravessa a economia americana e se cruza esta informação com os gastos militares originados pelas intervenções no Afeganistão e Iraque, torna-se necessário olhar a realidade daquela economia e da sua moeda sob uma perspectiva diferente.

Observando o quadro anterior, que apresenta a evolução histórica das cotações do Euro contra o US$ nos últimos anos, verifica-se que a um período de evidente tendência de subida registado em 2003 se seguiu um ano de 2004 com tendência mista, mas que encerrou francamente em alta e que 2005 registou um comportamento idêntico.

Para contrariar esta tendência de degradação, mesmo correndo o risco de assustar os seus mercados financeiros, os americanos optaram por uma política de subida das taxas de juro, tanto mais inevitável quanto a situação militar no Médio Oriente se eternizava. Simultaneamente começaram a circular notícias sobre o crescente interesse dos países árabes em converterem as suas reservas denominadas em US$ por outra moeda que apresentasse melhores sinais de estabilidade – o Euro. Costuma-se dizer que uma desgraça nunca vem só e assim no primeiro trimestre deste ano começaram a circular rumores sobre a instalação em Teerão de uma bolsa para negociar produtos petrolíferos denominados em Euros (assunto que oportunamente aqui abordei).

O atraso que esta iniciativa está a registar não reduz a tendência revelada pelos países árabes produtores de petróleo para procurarem um outro activo monetário que melhor os defenda das oscilações que o US$ americano vem registando. Além do volume de petro-dólares já convertidos em Euros e Yuans (não esquecer que a China é um dos principais clientes do Irão) os sinais de debilidade económica oriundos do outro lado do Atlântico são suficientemente fortes para já terem justificado a elaboração de relatórios de várias entidades internacionais sobre a crescente fragilidade da moeda americana.

Após uma primeira notícia oriunda do LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTICIPATION POLITIQUE (LEAP) que em Março deste ano difundiu um trabalho que alerta para a forte probabilidade de ocorrência de uma grande crise mundial, de dimensão comparável à que ocorreu em 1989 com a queda da Cortina de Ferro (assunto também incluído no “post” anteriormente referido), em Abril seria a vez do Asian Development Bank (ADB) difundir entre os seus membros uma previsão de possível queda acentuada do dólar. Este facto é tanto mais relevante quanto daquela organização financeira fazem parte, a par de países asiáticos como o Japão, os Estados Unidos da América (estes dois países controlam 30% do capital daquele banco) e países europeus como a França, a Bélgica e a Suiça.

Numa fase da evolução dos equilíbrios mundiais em que a principal potência mundial atravessa uma evidente crise de produção e de credibilidade política (a ausência de apoio internacional à opção americana de ocupação do Iraque é disso exemplo), resta aos responsáveis daquela esperar que a sua moeda suporte todos estes embates. Mesmo crendo na superioridade militar da sua moeda, os americanos não deixaram de aplicar algumas medidas (aparentemente pequenas) para a ajudar a ultrapassar mais esta dificuldade e desde finais de Março que o FED suspendeu a divulgação do principal indicador para a avaliação da quantidade de dólares em circulação no Mundo.

Com a suspensão da divulgação do agregado monetário M3 (ver no mesmo “post” as razões da importância deste indicador) esperarão esconder a dura realidade da fragilidade de uma moeda sobreavaliada e do recurso a uma prática financeiramente irresponsável de emissão descontrolada de moeda, inevitável para o duplo financiamento da sua dívida económica e comercial e da dívida militar.

Senão vejamos a evolução do comportamento do US$ americano face às principais moedas mundiais: o Euro, a Libra inglesa, o Yen Japonês e o Yuan chinês.


Nestes últimos seis meses é patente de uma forma geral em todos os gráficos uma marcada tendência para a desvalorização da moeda americana, o que na prática deverá agravar ainda mais a já difícil situação da sua dívida externa.

Até que ponto a agora decidida subida da taxa de referência do BCE constitui um apoio, ou mais um ataque, à moeda americana é algo que iremos confirmar nos próximos tempos. Se a decisão da subida das taxas euro for encarada pelos operadores de mercado e investidores como um sinal de concorrência face às demasiadamente atractivas taxas americanas, então o dólar irá retomar o sentido da queda; pelo contrário, se houver quem entenda este movimento como uma tentativa de controlo das primeiras tensões inflacionistas na Europa, talvez a moeda americana ainda possa viver mais algum tempo de “paz”.

Em última instância a conjugação de factores como o sobre endividamento da economia norte americana, consequência do permanente desequilíbrio da sua balança comercial e das crescentes necessidades de financiamento do esforço imperial em curso no Médio Oriente, determinam uma mais que provável situação de sobrevalorização do dólar, embora impossível de provar pela ausência de informação praticada pela administração do FED, pelo que a perenidade do dólar enquanto equivalente geral mundial estará cada vez menos dependente da vontade americana e mais sujeita aos humores dos seus parceiros comerciais.

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