domingo, 6 de fevereiro de 2011

AGERE NON LOQUI[1]


Se dúvidas ainda pudesse haver sobre a total incapacidade das lideranças europeias e comunitária tomarem qualquer decisão para resolver a questão das dívidas soberanas denominadas em euros, bastaria ter lido na véspera da abertura da última cimeira de governantes a notícia do NEGÓCIOS atribuindo à ministra francesa da economia, Christine Lagarde, a reveladora declaração de que «Pacote global de medidas só chega em Março».

Novamente os grandes líderes europeus reuniram-se para uma regular confraternização sem revelarem a menor noção da gravidade da situação que a UE e a Zona Euro atravessam. Preocupados com os seus problemas internos – sejam estes de natureza política (eleições e outras compitas partidárias) ou económica (fraco crescimento das economias e desemprego) – julgam ter encontrado nos problemas do endividamento dos vizinhos a cortina de fumo atrás da qual esconderão a sua própria inépcia, enquanto se desdobram em declarações em defesa da moeda única


Os governantes europeus mais conservadores (Angela Merkel e Nicolas Sarkozy) argumentando a necessidade de protegerem os seus contribuintes dos desmandos dos governantes e dos povos dos estados mais endividados (Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha) pretendem impor regras mais rigorosas ao seu endividamento, estratégia que poderia até considerar-se correcta não fosse o facto do sobreendividamento destes ter recebido no seu início todo o apoio e incentivo do sector financeiro (e dos governantes conservadores que viram nele um sinal de modernidade e empenho na abertura à economia comunitária e uma excelente oportunidade de negócio para as suas empresas) e doutra parte ter resultado dos resgates e outras formas de apoio ao sector financeiro na sequência da crise iniciada com o rebentamento da bolha do “subprime” norte-americano.

Com a acelerada abertura das suas economias, como países periféricos que eram, os PIGS foram os primeiros a ressentir-se aos menores sinais da crise e, como economias periféricas que continuam a ser, a revelar agora maiores dificuldades na respectiva recuperação. Bem podem as “Merkel”, os “Sarkozy” e os “Barroso” da Europa e do mundo em geral clamar a necessidade de não se viver acima das possibilidades, ou os “Sócrates” e os “Passos Coelho”, quais bem comportados ecos de repetição, defender reduções salariais e privatizações de empresas públicas, que nada do que apresentam como panaceia para a situação obterá outro resultado que o agravamento do endividamento e da dependência das economias periféricas.

O verdadeiro problema não reside no excesso de endividamento – embora seja da mais elementar justiça questionar a verdadeira utilidade de boa parte dele – mas sim no absurdo modelo de financiamento público determinado pelas teorias neoliberais que privilegiando a redução da carga fiscal das empresas e das famílias com maiores rendimentos contribui para uma profunda erosão da capacidade financeira dos estados e remetendo-os para os mercado de capitais conduziu ao absurdo dos absurdos que é o facto dos bancos financiarem os estados, que há ainda bem pouco tempo os resgataram da falência certa, a taxas muito superiores aquelas que estes se financiam junto do BCE.

Esta forma de usura dos tempos modernos, que longe de ser condenada ou sequer denunciada pelos governantes que impõem aos que governam condições de vida cada vez piores, constitui um problema bem mais fácil de solucionar que o que vulgarmente se pretende, mas não serão medidas como a flexibilização do acesso ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, o afastamento do FMI do processo ou até o reforço financeiro daquele FEEF, que resolverão a situação.

Por muito que a todos custe é bem possível que exista um forte fundamento para a notícia do ECONÓMICO, segundo a qual «Roubini diz que mercados vão fechar-se a Portugal “em breve”», pois o avolumar das dívidas dos PIGS dificilmente será resolúvel sem alguma forma de renegociação[2] que inclua um perdão parcial da dívida. Mas esta evidência e o carácter político e global que sustenta os ataques especulativos contra o Euro é precisamente o que os governantes europeus em geral persistem em negar[3], da mesma forma que recusam encarar (ou sequer debater) outras soluções para um problema que só será efectivamente erradicado quando o exclusivo do poder de criação da moeda for retirado ao sector financeiro, fazendo-o regressar aos estados.


[1] Expressão latina cujo significado é: Agir, não falar.
[2] Isso mesmo pode ser subentendido nestas recentes declarações da directora de relações do FMI, Caroline Atkinson, onde esta não exclui a hipótese de prolongar o prazo dos financiamentos à Grécia  para os dez anos.
[3] Veja-se, como exemplo disso mesmo esta notícia do ECONÓMICO de meados do mês  passado, onde a já referida ministra francesa Christine Lagarde afirmou que a «Crise não é da Zona Euro mas sim de alguns países europeus».

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