terça-feira, 21 de abril de 2009

RECADOS E ALARVIDADES

Por esta altura não haverá já quem não tenha escrito um eloquente comentário ou uma verrinosa crítica em qualquer jornal (ou sítio da Internet) a propósito dos discursos de Cavaco Silva e de José Sócrates do passado fim-de-semana.

Em termos práticos, o Presidente da República teceu algumas críticas, que muita gente entende válidas, enquanto o Primeiro-ministro lembrou que o “homem do leme” agora é ele… Por outras palavras, Cavaco Silva parece estar a ficar cada vez mais preocupado com o “desaparecimento” político dos seus correligionários (agora capitaneados por Manuela Ferreira Leite) e com os preocupantes sinais do fortalecimento do PCP e do BE. Que ninguém duvide que a principal preocupação em Belém é o fortalecimento de comunistas e bloquistas, muito mais que uma vitória do PS (por mais esmagadora que esta possa ser) e um ainda provável desaire do PSD.

Com o seu discurso Cavaco Silva terá lançado às urtigas a”cooperação institucional” (que no princípio deste ano substituiu a tão propalada “cooperação estratégica”) para dar início a uma nova fase nas relações entre Belém e São Bento, ou tudo isto não passa de mais uma farsa para iludir os mais incautos, na qual Cavaco quer surgir como o bastião da direita e Sócrates procura “convencer” alguma esquerda que é capaz de lhe fazer frente?

Cotejando as fontes disponíveis (os “sites” da Presidência da República e do Fórum Novas Fronteiras e algumas referências da imprensa[1]) não ficam dúvidas sobre o teor de uma e outra intervenção; a do Presidente da República – incluída no discurso proferido na Sessão de Abertura do 4º Congresso da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) – pautou-se por uma crítica às estratégias escolhidas para o combate à crise e pela referência à necessidade de uma gestão criteriosa e rigorosa dos fundos disponíveis, enquanto a do Primeiro-ministro foi integrada numa iniciativa partidária (a apresentação da lista do PS concorrente às eleições europeias e quedou-se por uma referência – “o que o país não precisa é da política do recado, do remoque, do pessimismo, do bota-abaixismo, da crítica fácil” – em oposição às qualidades do seu candidato.

Até a simples escolha das oportunidades para a intervenção me parece bem elucidativa dos fins das respectivas mensagens. Aos empresários cristãos o Presidente da República foi recordar que são precisos valores éticos nos negócios (que diabo, não deveriam ser estes os que menos necessitariam de tal remoque?) e que os verdadeiros empresários são os que não procuram a protecção do Estado (ao ouvir isto a sala deveria ter ficado vazia); já o Primeiro-ministro (na oportunidade na pele de líder partidário) respondeu à crítica de governar para os números e para as estatísticas, da forma que lhe cada vez mais habitual: apodando os críticos de derrotistas e bota-abaixistas…

Ideias, conceitos… não se ouviram de um lado ou do outro! Cavaco continua a falar do passado como se nunca tivesse ocupado o lugar de Primeiro-ministro e como se o seu consulado de dez anos (1985-1995) não tivesse correspondido ao período em que maiores volumes e fundos estruturais foram desperdiçados em obras de fachada ou obras públicas que mais tarde vieram a ser entregues à gestão privada (a tal de superior qualidade, rigor e objectividade); até quando se refere a questões de âmbito menos político – por exemplo, quando afirma que «…na génese da crise financeira e económica que o mundo enfrenta, muito pesaram a violação de normas éticas e a adopção de comportamentos de risco cujo impacto sobre o sistema financeiro e o bem-estar das populações não foi devidamente ponderado» – fá-lo de forma que até parece que nem ele nem nenhuma das duas famílias políticas que têm governado este país nos últimos trinta anos tiveram alguma vez qualquer coisa ver com isso.

Isto não é apenas inconsciência, é a justa imagem do valor e da índole dos políticos que nos têm governado…
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[1] A página na Internet da Presidência da República disponibiliza o discurso aqui, enquanto a página do Fórum Novas Fronteiras apresenta um resumo da réplica do Primeiro-ministro sob o título «PS escolhe os melhores candidatos para a Europa»; entre as notícias de imprensa que fizeram eco do sucedido saliento esta do PUBLICO: «Cavaco duro como nunca para Governo e empresários».

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