domingo, 27 de julho de 2008

QUANDO É PRECISO UM BÊBADO PARA RECONHECER OUTRO

Uma recente intervenção de George W Bush numa acção de recolha de fundos para o Partido Republicano, transformou-se no centro de especial atenção quando as declarações que então proferiu chegaram à Internet. Embora não tenha sido permitida a presença de jornalista e tenha havido o cuidado de solicitar aos presentes que desligassem os seus meios áudio e vídeo, alguém não resistiu e o mundo ficou a conhecer como é que o presidente americano avalia a situação que o seu país atravessa, quando se lhe referiu de uma forma directa e simples dizendo:«Wall Sreet embebedou-se...» O sempre oportuno humorista Jeff Danziger não perdeu o ensejo para nos dar a sua visão do “analista”, juntando-lhe referências a outros acontecimentos económico-financeiros marcantes da sua época (como a grande fraude que foi a falência da ENRON) e associando ao “stock” de mercadorias do bar algumas das principais características do seu “dono”.

Aforismo à parte e por mais adequada que pudesse parecer a caracterização que George W Bush fez, o mais preocupante foi ele acrescentar que o grande problema é desconhecer-se quanto tempo os mercados financeiros irão demorar a recuperar da “ressaca”.


Como se não bastasse a forma demasiado popular (para usar a expressão a que de recorreu pronto um porta-voz da Casa Branca para caracterizar o discurso do “patrão” e citada pela BBC NEWS) o que ressalta do âmago da sua observação é uma total ignorância e consequente ausência de perspectivas sobre a possível evolução do que tem sido designado como a crise do “subprime”.


Quase em simultâneo com este “fait divers” (ainda haverá no mundo alguém que acredite que George W Bush alguma vez fez alguma ideia sobre o que estava a falar?) o Congresso norte-americano aprovou no final desta semana “legislação para salvar a crise do imobiliário norte-americano”.


Depois dos apelos do presidente do FED[1], que, pasme-se, chegou a defender a nacionalização do Fannie Mae e do Freddie Mac[2], das intervenções apologéticas do secretário de estado do tesouro, Henry Paulson, e de divulgada a notícia pela Casa Branca de que contrariamente ao anunciado o presidente Bush não vetaria o plano, eis que os representantes da nação americana aprovaram agora um plano de socorro, que segundo o gabinete do orçamento do Congresso poderá custar entre 25 e 100 biliões de dólares.

Mas o que ressalta do teor daquelas notícias não é apenas a intenção dos legisladores contribuírem para minimizar os efeitos altamente negativos do endividamento das famílias norte-americanas, mas principalmente a de evitar a falência do Fannie Mae e do Freddie Mac, entidades que devido à quebra no valor do imobiliário (há analistas que falam em valores da ordem dos 25%) atravessam uma situação de verdadeira insolvência (o valor dos activos, imóveis, é inferior ao das dívidas).

O problema é que a injecção de fundos agora autorizada garantirá o capital investidos pelos accionistas do Fannie Mae e do Freddy Mac, mas pouco ou nada contribuirá para minimizar as dificuldades das famílias que perderam ou estão em risco de perder as suas casa e as poupanças nelas investidas Isso mesmo foi reconhecido implicitamente pelo secretário de estado do tesouro americano quando afirmou que a legislação aprovada era uma forte mensagem enviada aos investidores que desempenham um papel crucial na recuperação da crise do imobiliário.

Tal como já aconteceu em anteriores situações, nos EUA e no Reino Unido, os governos e os bancos centrais, em nome da recuperação da confiança e dos mercados, têm–se precipitado na injecção de fundos e até na nacionalização de bancos[3] e outros agentes financeiros arruinados pelas políticas de investimento especulativo e de alto risco que praticaram, mas têm-se revelado incapazes ou indisponíveis para enfrentar o real fulcro da questão: as décadas de prática de uma política antisocial de redução da liquidez na economia. Além disso, as medidas correntemente usadas pelo FED de recurso a sucessivas injecções de fundos e a redução das taxas directoras (a taxa à qual os bancos centrais cedem liquidez aos bancos comerciais) mais não têm feito que branquear as práticas de investimentos de alto risco que as administrações das empresas financeiras realizaram, disponibilizando-lhes a baixo custo[4] os meios para evitarem a punição que o livre funcionamento do mercado lhes deveria reservar – a falência.

Os milhares de milhões de dólares, euros e libras que os Bancos Centrais têm injectado nos respectivos sistemas financeiros, além de pouco terem contribuído para resolver a crise do “subprime” não estão a contribuir sequer para o relançamento das respectivas economias, na medida em que são prioritariamente canalizados para o saneamento dos balanços dos banqueiros, e ainda menos para resolver a crise de confiança que grassa nos mercados, porque não penalizam as estratégias aventureiras e de alto risco dos banqueiros e sustentam a dúvida quanto à real dimensão da crise.

Uma após outra vão surgindo notícias sobre a possível ruína dos principais bancos[5] enquanto os grandes actores nos mercados financeiros – os enormes “hedge funds” e outros conglomerados financeiros – continuam a actuar em vagas rapaces sobre todo e qualquer activo que aparente produzir ganhos...
e esta estratégia, perante o estado depressivo dos mercados financeiros, está já a ser prosseguida pelos mesmos actores nos mercados dos bens alimentares e energéticos, fenómeno que todos bem sentimos nos constantes aumentos daqueles produtos.

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[1] Veja-se esta notícia do DIÁRIO ECONÓMICO.
[2] Designações pelas quais são conhecidas o Federal National Mortgage Association (cuja signa FNMA originou a designação Fannie Mae) e o Federal Home Loan Mortgage Corporation (onde a sigla FHLMC se converteu em Freddie Mac), empresas privadas com apoio público (government sponsored enterprise na designação anglo-saxónica) que funcionam como refinanciadoras dos bancos que concedem empréstimos imobiliários contra hipoteca. Criadas em 1938 e em 1970, respectivamente, as duas instituições atravessam uma situação particularmente delicada devido a serem detentoras ou garantirem cerca de 50% dos 12 biliões de dólares que constituem o mercado do crédito hipotecário norte-americano.
[3] Como foi o caso do Nothern Rock que o governo inglês decidiu nacionalizar, como noticiou o DIÁRIO DE NOTÍCIAS, após várias e infrutíferas injecções de dinheiro pelo Banco de Inglaterra.
[4] Recorde-se que graças aos sucessivos cortes na taxa directora, o FED está a financiar os banqueiros a taxas da ordem dos 2%, valor muito inferior à inflação oficial que se situa nos 5%, o que em termos práticos significa que os banqueiros e demais especuladores estão a financiar os seus erros a uma taxa negativa.)
[5] Em meados deste mês o COURRIER INTERNATIONAL, citando o NEW YORK TIMES dizia que «...os analistas esperam ver encerrar no próximo ano e meio entre 50 e 150 instituições. No primeiro trimestre de 2008, o FDIC (a agência federal norte-americana que gere os fundos de garantia dos depósitos bancários) publicou uma lista de 90 bancos em dificuldades; embora dela não constasse o IndyMac este já faliu».

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