A gravidade da
situação que atravessa a UE e em especial o grupo dos países do Sul recomenda o
conhecimento da sua realidade. Porque, ao contrário do que pretende o discurso
oficial dos países do Norte, as raízes do problema estão muito além dum simples
processo de esbanjamento colectivo e porque ao contrário do que sucede entre
nós ainda há países onde a imprensa vai fazendo eco doutras análises, aqui
deixo um artigo bem antigo (tem quase um ano de publicação) do FINANCIAL
TIMES, onde Misha Glenny, o jornalista e autor de obras sobre a região dos
Balcãs e sobre o crime organizado, expõe uma perspectiva diversa sobre:
«A verdadeira tragédia grega - os oligarcas gananciosos
Por Misha Glenny
Caprichoso, não confiável e
ideológico, foram alguns dos epítetos mais imprimíveis lançados contra George
Papandreou durante a sua última semana como primeiro-ministro grego. Devemos
olhar para os motivos dos seus detractores antes de aceitar tais críticas como
válidas. Envolvido em titânicas lutas políticas no país e no exterior, foi
tentando combater discretamente uma das causas mais profundas da tragédia grega
- o crime e a corrupção.
Enquanto tenta convencer a Europa da
sua determinação em reduzir um sector público inflacionado, o novo governo
grego tem de decidir se quer enfrentar a ameaça interna real para a
estabilidade da Grécia: a rede de famílias oligarcas que controlam grande parte
da economia grega, do sector financeiro, dos meios de comunicação e, na
realidade, dos políticos.
Desde que o Sr. Papandreou se tornou
primeiro-ministro, o seu governo foi tentando reprimir a habitual evasão
fiscal. Ele deixou claro num discurso ao Parlamento na sexta-feira quão
profundas são as suas preocupações sobre as actividades mais duvidosas de
alguns bancos da Grécia. Podemos apenas esperar que a auditoria BlackRock,
encomendada pela troika, seja suficientemente profunda para descobrir o que
realmente está a acontecer no sistema financeiro.
No mesmo discurso, Papandreou
revelou também dados dramáticos sobre uma operação pan-balcânica de contrabando
de combustível que poderá custar à Grécia uma estimativa anual de 3 mil milhões
de euros. Ele explicou claramente quão prejudiciais têm sido tais actividades
criminosas, mas sem nomear os envolvidos.
Os oligarcas têm respondido de duas
maneiras. Primeiro, acelerando a sua prática habitual de fuga de capitais. No
ano passado, só o mercado imobiliário de Londres registou um grande aumento de
aplicações de origem grega.
Segundo, fomentando notícias
histéricas na imprensa de que são proprietários, a fim de denunciar e
prejudicar Papandreou em cada oportunidade, cientes de que ele é o menos
flexível entre a elite política da Grécia.
O seu objectivo é claro –
preparam-se para atacar os bens do Estado que, sob os vários planos de resgate,
o governo grego deve privatizar. Com a economia doméstica em queda livre, o
preço das acções de entidades extremamente valiosas, tais como a rede eléctrica
e a lotaria nacional, foi-se degradando progressivamente ao longo dos últimos
dois anos. A participação de 10 por cento na OTE, a operadora de
telecomunicações grega, foi vendida ao longo do verão à Deutsche Telekom por
cerca de 7€ por acção, 75% abaixo do seu preço de três anos antes.
Os conglomerados oligarcas esperam
comprá-los até menos de um quinto do seu valor real - um fraco retorno
financeiro para o Estado, mas um grande negócio a um prazo de 5-10 anos para os
compradores. Alguns apostaram na hipótese da Grécia sair do euro, para que
possam usar os milhares de milhões de euros contrabandeados para fora do país
para comprar os activos por preços duma dracma desvalorizada.
Se as crises na Grécia e Itália nos
ensinam alguma coisa, é que a União Europeia tem tolerado a corrupção
generalizada, a criminalidade e a governação maligna não apenas nos países
pobres do leste da Europa, mas em alguns de seus principais membros europeus
ocidentais. Enquanto nós, europeus damos lições ao mundo sobre a importância
dos valores europeus – transparência, boa governação e concorrência – fechamos
muitas vezes os olhos ao monopólio de Berlusconi na informação, à influência da
Camorra na política de Campania e ao compadrio crónico na economia grega (sobre
a qual os governos britânico e alemão, para citar apenas dois, estão plenamente
informados).
Se a catástrofe que hoje ameaça a
Europa pode servir para alguma coisa que seja para erradicar esta corrupção
generalizada. Caso contrário, a Grécia e a Itália nunca se verão livres da
esclerose institucional que permite que o uso dessas práticas para prosperar.
Antes de suspirarmos por uma resposta do norte da Europa, lembremos os milhares
de milhões de dólares em subornos de que empresas alemãs, como a Siemens e a
Ferrostaal, foram condenadas de pagar aos seus interlocutores gregos. Estes
foram pagos para garantir os contratos lucrativos financiados pelos gregos
decentes que ganham relativamente pouco e que, ao contrário dos super-ricos do
país, pagam os seus impostos.
Para a Grécia, a grande questão é
se, após Papandreou, o país possui o talento e a visão política necessários
para introduzir as reformas profundas para reconstruir as instituições em
estado comatoso e para deter a pilhagem da economia grega pelos seus cidadãos
mais ricos e poderosos. Isto é algo que os credores internacionais do país
também podem querer ponderar.
O meu palpite é que provavelmente
não e que os esforços de Papandreou virão a ser considerados como a última
tentativa séria para salvar o país.»
No texto o
autor transmite uma perspectiva bem diversa da que circulou na imprensa, na
época em que Papandreou propôs a realização dum referendo a propósito do
resgate, questão ainda mais candente, quando se noticia que a «Grécia
agrava previsão de recessão para 2013», enquanto permanecem imutáveis
algumas das razões para o prolongamento da crise na Europa.
Sendo a sua
principal virtude a de chamar a atenção para algo mais prosaico, mas nem por
isso menos destruidor, como as ligações entre a corrupção e as oligarquias
europeias.
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