sábado, 30 de janeiro de 2010

ELES ESTÃO DE VOLTA!

Este podia bem ser o título de qualquer notícia sobre a realização do tradicional Fórum Económico Mundial (ou Fórum de Davos, como é mais conhecido), não por esta ser a quadragésima vez que as mais importantes personalidades do mundo da economia, da finança e da política se reúnem mas por este ano registar o regresso em força e com uma renovada aparência dos banqueiros àquela elitista estância suíça. Contrariamente ao que sugere a notícia do DN que afirma que a «Reunião de Davos vai discutir crise haitiana», ninguém duvide que o tema central das principais conversas (formais e informais) é a questão da regulamentação da actividade bancária e que os muitos banqueiros presentes não deixarão de exercer toda a pressão que consigam para fazer vingar as teses do liberalismo económico que lhes permitiram nas duas últimas décadas vultuosos resultados.

Ao que reportam as múltiplas notícias sobre o evento existe alguma divergência de opiniões, com os banqueiros a defenderem o actual modelo desregrado e a recordarem (ou a ameaçarem) que a imposição de regras mais apertadas nas principais praças financeiras poderá levar ao desenvolvimento de praças secundárias, como Xangai, Singapura ou Zurique, enquanto outros defendem a necessidade de regulamentação que reduza os riscos da repetição do “vale tudo” que conduziu ao agravamento da actual crise.

Não se pense porém que a intenção dos reformadores consistirá em algo que vai alterar radicalmente a face da banca ou até pôr em causa a sua desmesurada capacidade para gerar dinheiro e lucros a partir das restantes actividades económicas. Isso mesmo foi deixado bem claro logo na abertura pelo inefável Nicholas Sarkozy, que sem pejo nem rebuço assegurou a quem o quis ouvir que a questão não pode ser colocada no sistema «...que substituirá o capitalismo, mas sim no tipo de capitalismo que queremos...», acrescentando que «...temos que refazer o capitalismo para lhe restaurar a sua dimensão moral e a sua consciência...», «...colocando o princípio do comércio livre em primeiro lugar, o que obtemos é uma fragilização da democracia»
[1].

Dito de outra forma, o que o presidente francês fez foi alertar os capitães da economia e os barões da finança para as enormes dificuldades que os seus representantes na política estão a encontrar para justificar o injustificável e para conter a revolta que ameaça alastrar entre os eternos condenados a pagar mais esta crise – os milhões de assalariados – que nas últimas décadas serviram para alimentar as economias liberais e que agora engrossam as listas de mais de cem milhões de desempregados espalhados por todo o Mundo.

E como se não bastasse este cenário suficientemente negro – deixado pelo documento
Global Employment Trends – January 2010, recentemente apresentado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) – é crescente a ideia de que a recuperação em perspectiva se vai transformar num crescimento económico sem criação efectiva de novos empregos na mesma proporção em que estes foram destruídos pela crise. Por outras palavras, muitos dos empregos perdidos não voltarão a ser criados.

A ausência forçada (por motivos de saúde) do presidente brasileiro, Lula da Silva, poderá ter deixado o pseudo debate de Davos um pouco mais pobre, mas duvido que mesmo a repetição das linhas principais do discurso que proferiu no início da semana no Fórum Social Mundial (a organização que de há dez anos a esta parte se tem afirmado como uma alternativa democrática a esta cimeira dos ricos), quando deixou bem claro a necessidade de mudar o sistema financeiro mundial, cuja irresponsabilidade foi a principal responsável pela crise que vivemos e se afirmou preparado para se apresentar em Davos para «[d]emonstrar que se o mundo desenvolvido tivesse cumprido o seu papel, não assistiríamos à crise que agora vivemos»
[2], tivesse algum efeito real entre os responsáveis pela condução dos negócios mundiais, ou mesmo algum eco na praticamente nula consciência moral ou ética dos políticos que com eles vivem em perfeita simbiose.

Embora ainda sejam quase desconhecidas a grande maioria das intervenções (e por óbvia extensão as conversas particulares e paralelas entre os intervenientes) não será difícil antever que o clima geral não deverá ser o da euforia que se registava nos bons velhos tempos em que tudo corria pelo melhor. E mesmo que se reduza o Fórum de Davos a uma reunião entre decisores e fornecedores (como parece sugerir o título
deste artigo do LE MONDE), nem por isso este deixa de ser um sinal de clara revelação da incapacidade das elites (económicas, financeiras e políticas) para entenderem as entropias que o sistema que geraram vem revelando.

A sua cegueira intelectual é tamanha que até pequenas medidas correctivas, como as propostas por Obama ou as sugeridas por Sarkozy e Zapatero
[3] serão muito provalvelmente ignoradas, porque esbarrarão na teia de interesses e compadrios que tem vindo a ser tecida. Claro exemplo disso mesmo é que um dos primeiros políticos a referir a necessidade de mudança no sistema de regulação financeira – o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown – já deixou, fruto da óbvia pressão dos grandes interesses da City londrina, de o defender em público[4].

Restarão poucas dúvidas à maioria das pessoas que os caminhos da economia mundial apresentam enormes dificuldades e que entre os próprios líderes as diferenças de opinião serão crescentes, mas sejam quais forem as conclusões do Fórum de Davos – este ano curiosamente apresentado sob o slogan "Repensar, Redesenhar, Reconstruir".– a probabilidade de dele resultar algo de prático é igual à do Fórum Social Mundial produzir mais que uma listagem de agravos e poucas ou nenhumas soluções exequíveis.

Ao que tudo indica a recuperação anémica das grandes economias ocidentais passará a ser anunciada aos povos crédulos como grandes feitos dos políticos seus dirigentes enquanto os lucros das grandes empresas, que aproveitaram o eclodir da crise para acelerar ainda mais o processo de deslocalização para as regiões que praticam salários mais baixos, continuarão a sustentar o enriquecimento dos seus donos e a distribuição de umas migalhas pelos mais obedientes dos títeres que nos dirigem.
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[1] As citações foram retiradas deste artigo da BBC NEWS.
[2] A citação atribuída a Lula da Silva foi retirada desta notícia do LE MONDE.
[3] Um resumo muito sucinto da intervenção do primeiro-ministro espanhol pode ser lido nesta notícia do EXPRESSO.
[4] Isto mesmo recorda esta notícia do I ONLINE.

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