Ficámos a conhecer ontem, com o número de abstenções
necessárias, o anunciado desfecho sobre a aprovação de mais um Orçamento do
Estado.
Este documento que dita a governação financeira anual de
um país (por isso deve ser apresentado no Parlamento até 15 de Outubro e votado
até 15 de Dezembro), tem natural impacto no dia a dia das famílias e das empresas,
e resulta da elaboração de uma proposta governativa onde devem constar as
linhas mestras para a governação.
Funções e Elementos do Orçamento
É por isso que são normalmente destacadas as seguintes
três grandes funções do orçamento:
- Económica
- Política
- Jurídica
onde a primeira se destina a permitir uma melhor
gestão dos dinheiros públicos e em simultâneo possibilitar ao Governo o
acompanhamento da política económica global do Estado; a segunda procura assegurar
direitos fundamentais dos cidadãos, impedindo a cobrança de impostos sem a
devida autorização dos seus representantes eleitos, a par com o equilíbrio e a separação
dos poderes, pois sem a aprovação da Assembleia da República, o Governo não
pode executar quaisquer medidas, enquanto a terceira limita a Administração
Pública mediante um conjunto de normas que regulam o seu funcionamento, a sua
organização e o seu relacionamento com os cidadãos.
No seu todo o Orçamento do Estado engloba um conjunto
de elementos, que vão desde as previsões (sejam as de natureza económica sejam
as mais específicas, como as receitas e as despesas) às linhas de política
económica. Assim, o documento apresenta uma parte dedicada às previsões de
indicadores com destaque para o Produto Interno Bruto, o défice, as exportações
e importações, o consumo interno, a inflação, a par com outra onde o destaque
vai para as previsões sobre as receitas e despesas públicas.
O Orçamento do Estado serve ainda como documento de
apresentação da política económica de cada governo para o ano seguinte; nele são
indicadas as medidas que pretende implementar, como sejam mudanças nas
prestações sociais ou nos impostos cobrados a famílias e empresas, e onde é
autorizada a Administração Financeira a cobrar impostos e a realizar despesas.
A experiência acumulada ao longo dos tempos levou à
elaboração de estudos e à fixação de algumas normas para a elaboração de
documentos da importância de um Orçamento de Estado, o que levou à definição de
cinco regras orçamentais clássicas.
As regras clássicas
Embora nem sempre cumpridas as cinco regras clássicas
são as seguintes:
- Anualidade - que determina que o Orçamento tenha validade e execução anual;
- Integridade (unidade e universalidade) – que define a existência de apenas um orçamento por ano (unidade), no qual todas as despesas devem estar incluídas (universalidade);
- Discriminação orçamental – dividida noutras três regras que definem a forma como as receitas e as despesas surgem no Orçamento:
- Regra da especificação (cada receita e cada despesa deve ser especificada e individualizada);
- Regra da não-compensação (as verbas devem surgir no Orçamento na forma bruta e não líquida, isto é, sem qualquer compensação ou desconto);
- Regra da não-consignação (todas as receitas deverão servir para cobrir todas as despesas);
- Publicidade – que obriga o Orçamento do Estado a ser publicado;
- Equilíbrio orçamental – que determina que as receitas previstas devem cobrir, na totalidade, as despesas estimadas.
Para comprovar que estas regras nem
sempre são cumpridas basta recordar o recorrente recurso a orçamentos
suplementares, violando a regra da integridade, ou a normal violação da regra
do equilíbrio orçamental com a apresentação de orçamentos deficitários, onde as
receitas não cobrem as despesas.
Apreciação, Votação e Promulgação
Após a apresentação, a proposta de orçamento é
discutida e votada na generalidade no Plenário, baixa às comissões de
especialidade e a este regressa para discussão e votação na especialidade; não
havendo dúvidas sobre a sua constitucionalidade, situação em que o diploma
poderá ser enviado para fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional, o
texto final é então promulgado pelo Presidente da República e publicado em
decreto.
É especialmente durante este
processo que se avolumam as notícias e as declarações políticas sobre um
documento cuja importância é tantas vezes desvalorizada quantas é
sobrevalorizada.
Considerandos finais
Um orçamento (seja ele de âmbito
mais restrito, como o familiar, ou de âmbito mais alargado, como o nacional) é
sempre um projecto de curto prazo e especialmente orientado numa perspectiva de
tesouraria, ainda que nada impeça a incorporação de objectivos e projectos de
maior duração, pois qualquer investimento de prazo plurianual terá sempre que se
iniciar num determinado ano.
Esta ambiguidade dever-se-á em boa
medida às próprias características de um documento meramente conjuntural que
não raras vezes é apresentado e avaliado como se incorporasse outras
qualidades. É assim que frequentemente se confunde um plano de curto prazo (o
orçamento) com outro de duração mais longa e maior alcance (Grandes Opções do
Plano), transformando numa dimensão estratégica – aquela que procura formular
uma orientação para um grupo de actividades ou operações visando um objectivo
comum – o que em caso algum pode passar de um conjunto de acções, com efeitos
pontuais que visam alcançar um determinado objectivo segundo uma estratégia
previamente estabelecida, ou seja um plano de natureza táctica.
Outra razão para a confusão
prende-se com questões de natureza política, melhor dizendo do jogo
político-partidário; o governo e o partido (ou partidos) que o apoia(m) e produz
o Orçamento de Estado procurarão, na busca de argumentário, relevar as suas qualidades
tácticas e de rápido efeito político, enquanto a oposição sublinhará, à falta
de melhor, as falhas estratégicas, pelas quais o documento não pode conceptualmente
responder.