Ouvidas as
declarações do conselheiro especial para as privatizações, António Borges, que
afirmou perante as câmaras da TVI que o «Governo
vai concessionar a RTP1 e fechar a RTP2», de pronto terá começado a
circular nos meios habituais o apelo para que os Rapazes Tenham Paciência...
calma, que o negócio vai ser chorudo!
Além de se ter ficado a saber que a «Oposição
critica em bloco intenção do Governo de concessionar a RTP» e que na douta opinião do líder parlamentar do PSD
a «Concessão
da RTP a privados "é uma espécie de ovo de Colombo"», raciocínio apenas entendível por esta “solução”
assegurar o pior dos cenário televisivos para o público. Sobre a forma como se
pensa assegurar que a nobilíssima iniciativa privada cumpra as necessidades do
serviço público (que o actual modelo da RTP cumpre sofrivelmente) ou sobre a
eventualidade de reduzir os custos mediante a substituição do actual modelo
público que segue os ditames e as conveniências das necessidades das empresas
privadas de televisão, não se ouviu ainda uma palavra.
Pior, a total ausência de debate além de revelar a completa impreparação
do actual governo para enfrentar a questão é igualmente sintomática de quem
reduz todos os problemas aos ditames do deve e do haver contabilístico,
ignorando (ou fingindo-o) a existência doutras realidades. Não bastando o facto
de que «Quem
ficar com a RTP terá um lucro garantido de 20 milhões de euros», pouco ou
nada tem sido adiantado sobre o verdadeiro roubo que consistirá em entregar um
inestimável arquivo videográfico ao arbítrio privado.
Quanto a silêncios, registe-se que foi preciso esperar quatro dias para
ficarmos a saber, através dum comunicado, a posição da «Administração da RTP contra modelo de
concessão», quando o mínimo exigível a quem foi nomeado para a
realização dum serviço público seria a demissão em bloco dos membros daquele Conselho de Administração, numa manifestação de
claro repúdio e de não pactuação com a política desenhada pelo Governo para a
empresa e o sector de actividade.
A posição
publicamente defendida por Marcelo Rebelo de Sousa (também perante as câmaras
da TVI) de que a lei do concessionamento venha a ser fiscalizada pelo Tribunal
Constitucional é uma pobre figura de estilo perante a enormidade que o governo
de Passos Coelho se prepara para fazer. A enormidade é tal que nem um conhecido
comentarista da área do PSD, Pedro Marques Lopes, hesitou em escrever
no DN que estamos perante uma «…revolucionária solução em que o
Estado cede uma estação de televisão e garante um lucro chorudo ao feliz
contemplado que é pago com os impostos de todos nós. Genial. Não, não é bem uma
PPP, é, para o investidor privado, muito melhor. Este fica com uma companhia
com mais de cinquenta anos de vida, com um enorme prestígio, com um património
tangível e intangível único e ainda lhe garantem uma rentabilidade que fará
roer as unhas de inveja um qualquer concessionário de auto-estradas».
Quando tudo
indica que o actual governo irá desferir mais um golpe na tão execrada
iniciativa pública em claro e flagrante benefício da endeusada iniciativa
privada (sem que lhe seja exigida a mínima explicação sobre a iniciativa),
decisão que a beatífica recomendação de Marcelo Rebelo de Sousa para que a
propriedade seja mantida em “mãos portuguesas” não belisca, poder-se-á falar em
novidade depois de termos assistido à privatização de serviços tão
indispensáveis como a produção e fornecimento de energia, as telecomunicações, o
transporte rodoviário de passageiros e de estar na calha a privatização do
abastecimento de água?
Mais do que nunca parece
ajustado recordar o muito conhecido poema do pastor alemão Martin Niemoller
(1892-1984):
«Quando
os nazis levaram os comunistas, calei-me, porque, afinal, eu não era comunista.
/ Quando prenderam os sociais-democratas, calei-me, porque, afinal, eu não era
social-democrata. / Quando levaram os sindicalistas, não protestei, porque, afinal,
eu não era sindicalista. / Quando levaram os judeus, não protestei, porque,
afinal, eu não era judeu. / Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse»
para lembrar que depois de
privatizada a água restar-nos-á apenas o ar… e por pouco tempo!
[1] Forma alternativa
para a leitura da sigla RTP, popularizada nos primeiros anos de emissão
televisiva em Portugal quando as frequentes quebras de sinal eram compensadas
com a exibição do logotipo acompanhado da frase: “Pedimos desculpa por esta
interrupção, o programa segue dentro de momentos”.
Sem comentários:
Enviar um comentário