terça-feira, 28 de agosto de 2012

RAPAZES TENHAM PACIÊNCIA… [1]


Ouvidas as declarações do conselheiro especial para as privatizações, António Borges, que afirmou perante as câmaras da TVI que o «Governo vai concessionar a RTP1 e fechar a RTP2», de pronto terá começado a circular nos meios habituais o apelo para que os Rapazes Tenham Paciência... calma, que o negócio vai ser chorudo!


Além de se ter ficado a saber que a «Oposição critica em bloco intenção do Governo de concessionar a RTP» e que na douta opinião do líder parlamentar do PSD a «Concessão da RTP a privados "é uma espécie de ovo de Colombo"», raciocínio apenas entendível por esta “solução” assegurar o pior dos cenário televisivos para o público. Sobre a forma como se pensa assegurar que a nobilíssima iniciativa privada cumpra as necessidades do serviço público (que o actual modelo da RTP cumpre sofrivelmente) ou sobre a eventualidade de reduzir os custos mediante a substituição do actual modelo público que segue os ditames e as conveniências das necessidades das empresas privadas de televisão, não se ouviu ainda uma palavra.

Pior, a total ausência de debate além de revelar a completa impreparação do actual governo para enfrentar a questão é igualmente sintomática de quem reduz todos os problemas aos ditames do deve e do haver contabilístico, ignorando (ou fingindo-o) a existência doutras realidades. Não bastando o facto de que «Quem ficar com a RTP terá um lucro garantido de 20 milhões de euros», pouco ou nada tem sido adiantado sobre o verdadeiro roubo que consistirá em entregar um inestimável arquivo videográfico ao arbítrio privado.

Quanto a silêncios, registe-se que foi preciso esperar quatro dias para ficarmos a saber, através dum comunicado, a posição da «Administração da RTP contra modelo de concessão», quando o mínimo exigível a quem foi nomeado para a realização dum serviço público seria a demissão em bloco dos membros daquele Conselho de Administração, numa manifestação de claro repúdio e de não pactuação com a política desenhada pelo Governo para a empresa e o sector de actividade.

A posição publicamente defendida por Marcelo Rebelo de Sousa (também perante as câmaras da TVI) de que a lei do concessionamento venha a ser fiscalizada pelo Tribunal Constitucional é uma pobre figura de estilo perante a enormidade que o governo de Passos Coelho se prepara para fazer. A enormidade é tal que nem um conhecido comentarista da área do PSD, Pedro Marques Lopes, hesitou em escrever no DN que estamos perante uma «…revolucionária solução em que o Estado cede uma estação de televisão e garante um lucro chorudo ao feliz contemplado que é pago com os impostos de todos nós. Genial. Não, não é bem uma PPP, é, para o investidor privado, muito melhor. Este fica com uma companhia com mais de cinquenta anos de vida, com um enorme prestígio, com um património tangível e intangível único e ainda lhe garantem uma rentabilidade que fará roer as unhas de inveja um qualquer concessionário de auto-estradas».

Quando tudo indica que o actual governo irá desferir mais um golpe na tão execrada iniciativa pública em claro e flagrante benefício da endeusada iniciativa privada (sem que lhe seja exigida a mínima explicação sobre a iniciativa), decisão que a beatífica recomendação de Marcelo Rebelo de Sousa para que a propriedade seja mantida em “mãos portuguesas” não belisca, poder-se-á falar em novidade depois de termos assistido à privatização de serviços tão indispensáveis como a produção e fornecimento de energia, as telecomunicações, o transporte rodoviário de passageiros e de estar na calha a privatização do abastecimento de água?

Mais do que nunca parece ajustado recordar o muito conhecido poema do pastor alemão Martin Niemoller (1892-1984):
«Quando os nazis levaram os comunistas, calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. / Quando prenderam os sociais-democratas, calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. / Quando levaram os sindicalistas, não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. / Quando levaram os judeus, não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. / Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse»
para lembrar que depois de privatizada a água restar-nos-á apenas o ar… e por pouco tempo!


[1] Forma alternativa para a leitura da sigla RTP, popularizada nos primeiros anos de emissão televisiva em Portugal quando as frequentes quebras de sinal eram compensadas com a exibição do logotipo acompanhado da frase: “Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa segue dentro de momentos”.

Sem comentários: