domingo, 22 de junho de 2008

JÁ CHEGA? APRENDESTE A LIÇÃO?

Sempre que surge o anúncio de mais uma trégua entre beligerantes deveria ser indício de aproximação enter as partes e de concertação de uma solução mais duradoura. Tal não tem sido habitual no conflito israelo-palestiniano e poucos são os sinais que sugerem que seja agora o caso da trégua estabelecida entre Israel e o Hamas.

Apesar de ser inegável que este acordo introduz significativas alterações na perspectiva que Israel vinha defendendo[1] relativamente ao movimento islâmico do Hamas – a trégua pressupõe um reconhecimento da importância e das capacidades daquele movimento – não é menos evidente que ele terá resultado mais das fragilidades que palestinianos e israelitas vêm apresentando – do lado palestiniano era por demais evidente que o bloqueio imposto pelo governo de Ehud Olmert estava a atingir proporções insuportáveis (com as populações privadas de praticamente todo o tipo de bens essenciais) e que poderiam conduzir a uma revolta contra a liderança do Hamas ou à pura extinção por inanição, enquanto fragilizava a posição do Hamas face à Fatah, movimento que controla a Autoridade Palestiniana e dirige a Cisjordânia, enquanto do lado israelita, a persistente resistência dos militantes de Gaza, o fantasma do recente fracasso da acção militar contra o Hezbolah libanês, a contínua flagelação de localidades fronteiriças como Ashkelon e Sderot (com os óbvios efeitos psicológicos de insegurança, apesar do quase nulo resultado em vítimas israelitas) e a crescente fragilidade interna de um primeiro-ministro cada vez mais envolvido no escândalo dos financiamentos ilegais – que um verdadeiro desejo de entendimento.

Estas contradições parecem particularmente evidentes numa peça jornalística da BBC que dá voz ao sentimento das populações e que ilustra perfeitamente as perspectivas israelitas e palestinianas deste longo conflito. Enquanto os palestinianos entrevistados se manifestam satisfeitos pelo cessar-fogo e pelo levantamento do bloqueio, esperançados no cumprimento de ambas as partes mas conscientes das muitas dificuldades que a todos esperam, os cidadãos israelitas pendem entre o céptico e o frontalmente oposicionista ao cessar-fogo. Há mesmo quem (apresentada como mãe de sete filhos) afirme categoricamente que «...não quero um cessar-fogo – mesmo que funcione. Quero que Israel avance e elimine os terroristas».

Pelo reduzido universo de depoimentos transcritos (apenas quatro) e pelas características dos depoentes – os dois palestinianos são jovens estudantes e as duas israelitas andam na casa dos quarenta anos – perde-se parte do seu valor de amostragem, embora não deixe de ser significativo verificar-se que parece existir menor ou nula confiança no sucesso da iniciativa do lado israelita que do lado palestiniano, facto a que não deverá ser estranha a já referida diferença de gerações, embora o principal factor explicativo possa ser o visceral pavor entre os judeus na eventual necessidade de convívio com os palestinianos.

Mais comedidos, os comentadores locais (também citados noutro trabalho da BBC) apontam para o facto do acordo representar uma aparente vitória do Hamas, traduzida não só na evidente capacidade de resistência ao moderno e bem equipado exército israelita, mas principalmente no facto das negociações (mesmo que mediadas pelo vizinho Egipto) representarem um efectivo reconhecimento daquele movimento islâmico pelo governo israelita, enquanto deixou fora dos termos do acordo questões tão importantes como a libertação de prisioneiros e o fim da expansão dos colonatos judeus e da anexação de mais terras.

Estas questões deverão ser objecto de mais negociações caso o cessar-fogo se sustente, mas se não durar mais que o tempo necessário ao reequipamento e ao descanso dos “guerreiros” (de ambas as partes), os mediadores do conflito israelo-palestiniano (EUA, UE e Rússia) deverão ser chamados a explicar às respectivas opiniões públicas quais os responsáveis por mais um fracasso, nomeadamente as verdadeiras razões pelas quais o Tsahal nunca suspendeu as operações na Cisjordânia (território governado pela Fatah) nem pôs cobro aos permanentes abusos e ocupações de terras em que os colonos israelitas continuam empenhados.

Reflexo desta realidade é uma notícia da BBC que há dias referia a prisão de dois colonos israelitas acusados de agressões a palestinianos visando expulsá-los das terras. A agressão foi documentada em filme graças a um programa lançado pelo grupo israelita de defesa dos direitos humanos, B’Tselem, que tem distribuído câmaras de vídeo pelas populações palestinianas para possibilitar a documentação da violência de que são alvo[2].

Embora o principal efeito positivo do cessar-fogo seja a melhoria das condições de vida da população palestiniana confinada por decisão israelita à Faixa de Gaza, este talvez não tivesse ocorrido sem o que aparenta ser um evidente enfraquecimento da política da administração norte-americana para a região do Médio-Oriente, tanto mais que quando se avizinha o fim do mandato de George W Bush e com ele o reinado dos “neocons” na administração norte-americana[3], avolumam-se os sinais de alguma mudança na relação de forças locais de que a recente decisão da UE de incluir Israel no grupo de países com os quais irá estreitar relações no âmbito da política europeia de vizinhança[4] é um exemplo.

Outro possível sintoma, foram as declarações[5] que a secretária de estado Condoleezza Rice proferiu durante a sua última deslocação a Israel, quando classificou os mais recentes planos de expansão dos colonatos judaicos nos territórios ocupados como um efeito negativo nos esforços para a paz. A importância destas declarações não resulta apenas do facto de aparentar alguma flexibilização do apoio que os EUA sempre proporcionaram a Israel, nomeadamente à sua intransigente política de anexações territoriais, mas principalmente por aflorar uma das questões fundamentais para os palestinianos – a posse da terra e o indissociável direito de regresso e a questão de Jerusalém Oriental que os palestinianos reivindicam como capital e os judeus afirmam como sua capital eterna e indivisível, contra a opinião da ONU e da comunidade internacional.

Com tudo isto, e apesar do cessar-fogo agora em vigor, por muitos que sejam os sinais de possível desanuviamento continuam cinzentas as nuvens que pairam sobre judeus e palestinianos.
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[1] O governo israelita que vinha recusando qualquer diálogo com o Hamas sob a alegação de se tratar de um grupo terrorista, aceita agora, mesmo que o negue conforme refere esta notícia do JN, o estabelecimento das tréguas e o não menos curioso facto de deste acordo resultar uma certa marginalização de Mahmoud Abbas e da Fatah, movimento que lidera a Autoridade Palestiniana e governa a Cisjordânia, que assim perde o papel de interlocutor único com Israel.
[2] Para mais informações sobre este projecto de actuação do B’Tselem, iniciado em Janeiro de 2007, ver no endereço: http://www.btselem.org/English/Video/Shooting_Back_Background.asp
[3] Tudo indica que mesmo em caso de vitória do candidato republicano aquela facção se verá arredada dos principais cargos que ocupa.
[4]A notícia do LE MONDE refere que este compromisso «…originará um relacionamento mais estreito com Israel o qual deverá ser considerado num contexto mais amplo que inclui a resolução do conflito israelo-palestiniano pelo reconhecimento de dois estados».
[5] A notícia da BBC que refere a matéria pode ser lida aqui.

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