quarta-feira, 28 de maio de 2008

NOVAS ABORDAGENS

Enquanto esperamos para ver os efeitos de um anunciado boicote ao consumo de combustíveis comercializados pelas empresas líderes do mercado nacional, podemos (e devemos) continuar a colocar múltiplas questões em torno de todo este problema.

Quando diariamente nos confrontamos com os fracassos resultantes das políticas centradas no unilateralismo (muitas vezes associadas na linguagem comum ao nosso bem conhecido “quero, posso e mando”), no primado da acumulação e da concentração da riqueza num número crescentemente reduzido de indivíduos e na inacreditável tendência para julgarmos superiores os nossos modelos económico, social e político, de que nos servirão análises retrospectivas, por mais correctas e bem elaboradas que sejam, como a que hoje apresentou hoje
Perez Metelo no DN? Não será antes o momento para equacionarmos outras soluções?

Depois de aqui ter desmascarado a farsa e o logro em que consiste a associação do aumento dos preços dos contratos de futuros sobre o “crude” ao aumento do preço dos combustíveis[1] e de como este mecanismo insuficientemente explicado na imprensa tem sido utilizado pelas empresas refinadoras para aumentar os seus lucros e de no último “post” ter referido algumas das medidas de actuação mais divulgadas na imprensa – desde a crendice na eficiência do mercado até à intervenção governativa sobre os preços, passando por uma intermédia medida de redução da carga fiscal sobre os combustíveis – continuam a existir ângulos de abordagem por referir.

Quando estamos todos conscientes de que vivemos numa sociedade fortemente dependente da energia para a produção de bens e para o transporte, teremos que excluir, “a priori”, a pura e simples hipótese de reduzir drasticamente aquele consumo, mas todas as outras serão exequíveis num maior ou menor grau. Tornados dependentes da importação de bens alimentares por uma política anacrónica de deslocalização da produção agrícola, que apenas mediu os ganhos monetários e se alicerçou no dogma dos baixos custos dos salários e dos transportes, começamos agora com a subida em flecha dos combustíveis a sentir os efeitos negativos de termos abandonado produções agrícolas viáveis e, pior, a equacionar soluções que poderão revelar efeitos ainda mais perversos.

Argumentam os indefectíveis das virtudes do “mercado” que qualquer intervenção governativa – seja no congelamento dos preços seja na redução da carga fiscal – produzirá maiores custos futuros, pelo que o que temos a fazer é procurar um novo “ponto de equilíbrio” face ao encarecimento dos combustíveis. Convenientemente estes apóstolos do neoliberalismo não se pronunciam sobre o facto de até esta data pouco ou nada ter sido feito para o desenvolvimento de uma fonte de energia alternativa ao petróleo, salvo que se tal não se verificou foi apenas por o “mercado” ainda não ter sentido essa necessidade e nunca por os poderes públicos terem permitido que fosse a indústria petrolífera a controlar o processo de pesquisa e desenvolvimento das energias alternativas enquanto admitiam que o termo comparativo para a fixação do preço da energia eléctrica continuasse a ser o do petróleo, nem tampouco sobre a existência de um verdadeiro monopólio nacional ao nível da refinação petrolífera.

Desde a crise petrolífera da década de 1970 que pouco ou nada foi feito no sentido de desenvolver alternativas ao consumo desenfreado daquela fonte de energia[2]; agora, espartilhados entre a reacção dos países produtores de petróleo à desvalorização do dólar (traduzida numa natural subida do preço), as desastrosas consequência da política externa norte-americana para o Médio Oriente[3] e a reorientação de investidores e especuladores do mercado de capitais para o mercado das “commodities[4], quando os Estados, em nome de uma pretensa modernidade e maior eficiência na gestão, entregaram à iniciativa privada até os sectores produtivos estratégicos, abdicando de alguma possibilidade de reacção, que opções nos restam?

Se reconhecermos que ao longo das eras o que distinguiu os grandes pensadores e inventores da maioria dos seus contemporâneos foi a sua capacidade de observar os problemas sob um ângulo diferente, o que esperamos agora para agir da mesma forma quando, para mais, nos confrontamos com situações perante as quais as abordagens tradicionais não estão a funcionar?

Um primeiro passo nesse sentido passará obrigatoriamente pela necessidade de repensar os mecanismos de formação dos preços, expurgando-os de tudo o que contribua para o enviesamento do resultado final. No caso dos combustíveis é manifestamente questionável o facto de se utilizar o método LIFO[5] de gestão de “stocks” para a formação do preço final, porque este num período de acentuado crescimento dos preços tenderá a ampliar aquele efeito sobre o preço final bem como a sobreavalorizar os “stocks” adquiridos a preços inferiores.

Outro importante passo passará por uma cuidada avaliação dos efeitos da carga fiscal sobre a formação do preço e do real efeito que a inevitável quebra no consumo acaba por originar para o fisco. Nenhuma das figuras que até agora se têm manifestado a favor, ou contra, a redução da carga fiscal apresentou qualquer tipo de dados concretos que permitam avaliar os reais efeitos da solução que propõe; mais, nenhum dos defensores da manutenção da actual carga fiscal – sob o argumento de que a sua redução acarretará o agravamento do deficit das contas públicas ou de que é impossível reduzir a despesa pública – apresentou qualquer tipo de dados concretos e ainda menos demonstrou a impossibilidade de reduzir os gastos públicos[6].

No caso concreto, esta necessidade é ainda mais premente por sobre aquele produto incidirem dois impostos diferentes (ISP e IVA) e aplicados cumulativamente originando que o valor final do IVA cobrado seja ampliado pelo efeito da aplicação do ISP.

Quando hoje mesmo foi anunciado mais um aumento dos combustíveis – o 18º em 21 variações desde o início do ano – e se constata a evolução dos preços ao consumidor português...

... que para o caso da gasolina IO95 já se situa nos 1,5 euros/litro quando nos EUA é de 3,986 dólares/galão (valor que convertido para euros e litros corresponde a apenas 0,672 euros/litro[7]) e a crescente divergência entre a evolução dos preços médios do “crude”, medidos em dólares e em euros (com o preço médio mensal em Abril a fixar-se nos 65,7 euros/barril)...

...importante se torna concluir que de modo algum poderemos continuar a manter a atitude descrita pelo humorista Monte Wolverton...

porque dificilmente a passividade nos aproximará de alguma solução.
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[1] Para melhor se entender alguns dos mecanismos que estão por detrás dos mercados financeiros leia-se esta notícia do COURRIER INTERNATIONAL que , citando o THE WALL STREET JOURNAL, descreve a forma como o barril de petróleo atingiu pela primeira vez a marca dos 100 dólares:
«Se o barril de petróleo atingiu temporariamente os 100 dólares no dia 2 de Janeiro em Nova York, foi graças à acção de um pequeno corretor independente, Richard Arens, que quando o preço se situava nos 99,53 dólares decidiu desembolsar 100 mil dólares para comprar 1.000 barris, o volume mínimo permitido. O lote adquirido foi imediatamente revendido com um prejuízo de 600 dólares. Este foi o preço a pagar para ter sido o primeiro no mundo a comprar petróleo a 100 dólares. “Receberá por isso um certificado – que será seguramente emoldurado e pendurado, escreve o The Wall Street Journal que lamenta que a História não retenha também o nome do outro corretor – o primeiro no mundo a ter vendido petróleo a 100 dólares e a realizar um lucro de 600 dólares.»
[2] Entre as muitas questões que de pronto ocorrem a todos, saliente-se a ausência de investimentos na produção de energia eléctrica a partir de fontes renováveis (sol, ar, água) ou até do nuclear e ainda o inexplicável abandono de produção das primeiras gamas de veículos eléctricos que até foram alvo de bom acolhimento pelos utilizadores.
[3] Recorde-se que após a ocupação americana do Iraque as exportações petrolíferas daquele país não voltaram sequer a aproximar dos valores praticados durante a fase final do regime de Saddam Hussein , durante qual vigorou um embargo económico decretado pela ONU.
[4] Designação habitualmente utilizada associada ao mercado de mercadorias.
[5] Acrónimo de “Last In, First Out” que significa literalmente “último a entrar, primeiro a sair” e é um dos métodos de avaliação de inventários, no qual a última mercadoria a entrar é a primeira a sair; por oposição existe o método “First In, First Out” (“primeiro a entrar, primeiro a sair”). Historicamente o método mais utilizado era o LIFO, porém actualmente e por recomendação da International Accounting Standards Board (organismo internacional que define os padrões IFRS - International Financial Reporting Standards para as melhores práticas contabilísticas e de avaliação de activos) o método preferido é o FIFO por se entender ser o que origina menores distorções.
[6] Nesta famigerada questão, recordo que o governo, além de outras, tem sempre disponível a opção de abandonar os controversos projectos das faraónicas obras aeroportuárias e de implantação de uma rede de alta velocidade de muito duvidosa rentabilidade.
[7] O valor mencionado refere-se ao preço da gasolina corrente, segundo informação disponibilizada pela Energy Information Administration (órgão do governo americano que produz estatísticas de energia) na sua página na Internet (http://tonto.eia.doe.gov/dnav/pet/hist/mg_tt_usw.htm).

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