terça-feira, 1 de janeiro de 2008

ANO NOVO, PROBLEMAS VELHOS

A crise económica estará longe de ser a única preocupação do ano que agora se inicia e nem sequer será preciso esperar pelo seu desenrolar para vermos surgir as dificuldades.

Como exemplo disto tomemos a anunciada criação unilateral do novo estado do Kosovo, que além de dividir os países membros da UE vai seguramente contribuir para o aumento das tenções entre americanos e russos, já que estas duas potências apoiam, respectivamente, as pretensões kosovares de independência e sérvias de integridade territorial e para revelar à evidência a dualidade de critérios que constitui a prática habitual da comunidade internacional, quando cotejamos esta situação com a de povos como os saarauis e os curdos.

A única razão que se me afigura lógica para tão rapidamente ver concretizadas as pretensões kosovares é o manifesto interesse norte-americano numa ainda maior desagregação dos territórios de influência da ex-União Soviética, na medida em que a haver separação daquela província Sérvia deveria resultar na sua integração no território da Albânia (situação que conheceu de facto entre 1941 e 1944 durante a ocupação italiana daquele país), tanto mais que com ele partilha as origens de 90% dos cerca de 2,5 milhões de habitantes e a língua, mas que por razões estranhas foi integrado na Sérvia em 1912 quando da desintegração do Império Otomano.

Por mais legítimo que possa ser este movimento independentista, deve ser analisado no contexto de uma Europa que pretende caminhar a passos largos para um processo de completa integração económica e na qual existem estados membros no interior dos quais existem evidentes tensões regionalistas, como é o caso da vizinha Espanha, de Chipre e o agora muito actual problema belga.

Apoiar sem reservas a independência do Kosovo enquanto se limitam autonomias (como por exemplo a catalã, a basca e a flamenga) ou se cerceiam anseios de povos como os saarauis e os curdos, poderá vir a revelar-se uma política insustentável a prazo.

Na prática os 2,5 milhões de kosovares, que na realidade deveriam ser designados por albaneses, encontram-se a um passo de ver confirmada a sua independência, enquanto os mais de 25 milhões de curdos que apresentam uma cultura e língua própria mas há séculos que vêm prejudicada a sua pretensão à constituição de um estado autónomo continuam a esperar pelo reconhecimento da soberania sobre um território que se encontra fragmentado entre a Turquia (a maior parte), o Iraque, o Irão, a Síria, o Azerbeijão e a Arménia e que recentemente tem sido alvo de incursões militares turcas

Enquanto isto, os saarauis, que partilham a origem e a língua (árabe e berbere) com Marrocos e a Mauritânia, países que ocupam o território do Saara Ocidental onde os cerca de 370 mil saarauis continuam esquecidos de quase toda a gente apesar de terem visto reconhecido de jure o seu estado autónomo.

É imoral, mas quase certo que durante 2008 os curdos continuarão a ver recusada a sua pretensão autonómica, muito por culpa de um medo atávico que os países da região desenvolveram do poderoso papel histórico que os guerreiros curdos sempre desempenharam na região e da tradicional incapacidade dos governos ocidentais desenvolverem soluções diplomáticas estáveis naquela parte do mundo.

A mesma sorte terão as pretensões saarauis, cujo povo sobrevive graças à ajuda internacional enquanto Marrocos continua a explorar as importantes reservas de fosfatos e os ricos bancos de pesca; mas, não menos preocupante é que no ano que agora iniciamos iremos continuar a assistir à incompreensível tentativa de criar um estado palestiniano, condenado à partida ao fracasso pela total inexistência de condições de viabilidade económica, jurídica e até militar, com o simples objectivo de perpetuar a preservação de um “estado judaico” artificialmente implantado num território que se recusa a partilhar com outra nação[1].
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[1] Importa aqui clarificar a distinção entre Nação e Estado; Nação significa a reunião de pessoas que além de partilharem uma raça, um idioma, uma religião e costumes comuns, revelam ainda uma profunda convicção de querer viver em colectividade, enquanto o Estado é uma instituição dotada de organização política, social e jurídica, que ocupa um território definido, é dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como externamente e que detém o monopólio do uso da força. Daqui resulta que a existência de uma Nação não constitui de per si motivo suficiente nem obrigatório para a existência de um Estado, podendo este englobar uma ou mais Nações no seu interior.

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