domingo, 3 de junho de 2007

O DIFÍCIL EQUILÍBRIO

A realização de uma reunião, a nível de embaixadores, entre os EUA e o Irão, como a que ocorreu no passado dia 28, será um sinal de esperança para a existência de alterações no relacionamento entre os dois países?

Talvez os mais incautos assim o creiam ou talvez seja mesmo indispensável acreditar em milagres. Certo é que, de parte a parte, existem fortes razões para que uma política de desanuviamento entre os dois países seja uma realidade, mas não é menos verdade que os pontos de divergência parecem não cessar de aumentar.

Se é inegável que a ocupação americana do Iraque contribuiu, e muito, para fortalecer a posição regional do Irão e que, exageros à parte, as ambições nucleares iranianas têm servido igualmente para converter este país numa verdadeira potência regional, não é menos verdade que este estatuto não foi ainda reconhecido pela generalidade dos próprios parceiros regionais e que as explicações para este clima de aparente desanuviamento deverão ser procuradas nos próprios EUA e nas suas “lutas” internas, porque talvez só assim se explique o facto de parecer agora que o presidente George W Bush está a seguir as recomendações do célebre relatório da Comissão Baker, enquanto mantém um “braço de ferro” com o Congresso sobre questões ligadas à intervenção militar no Iraque.

Se aparentemente a facção menos beligerante dos “neocons”, para muitos corporizada pela secretária de estado Condoleezza Rice, estará a superiorizar-se aos partidários do vice-presidente Dick Cheney, nada de concreto garante que esta situação se mantenha, nem que os “falcões” israelitas não venham a provocar novos desequilíbrios.

Como várias vezes tenho referido, para o melhor e para o pior, a pacificação do Médio Oriente passará sempre pela questão palestiniana. E relativamente a esta como estão as coisas a desenvolver-se?

Após a acalmia induzida pelo desaire que foi a invasão israelita do Líbano no Verão de 2006 e enquanto Israel continua a procurar os responsáveis por aquela situação, ao governo liderado pelo Hamas na sequência das eleições legislativas do início daquele e que Israel, EUA e UE se recusaram a reconhecer, sucedeu-se um outro, em consequência de um acordo entre a Fatah e o Hamas e apadrinhado pela Arábia Saudita. Resultante da necessidade de pôr termo ao bloqueio institucional e económico decretado pelo Ocidente, este governo de unidade nacional prontamente se viu relegado à mesma situação do anterior quando Israel e EUA mantiveram a estratégia de recusa de contactos com elementos do Hamas.

Pior, o agravamento das condições no interior dos territórios palestinianos (com especial referência para a faixa de Gaza) acabou por originar o início de confrontos entre partidários da Fatah (nacionalistas laicos) e do Hamas (islamitas). Para este clima de confronto aberto também não terão sido estranhas outras interferências, como a americana e a egípcia, que poderão ter pressionado a Fatah a encarar o confronto como solução para o impasse e deverão estar a financiá-lo e a armá-lo. A própria fragilidade dos líderes dos dois grupos, Mahmoud Abbas pela Fatah e Ismail Haniyeh e Khaled Meshal pelo Hamas, não está a facilitar em nada o fim dos confrontos.

À impotência dos palestinianos, povo que há duas gerações se bate para ver reconhecido o seu direito a existir, para contrariarem a política desumana que Israel tem vindo a implementar há agora que juntar a inexistência de uma liderança forte e a grande probabilidade de ocorrência de um banho de sangue fruto de uma guerra civil que paradoxalmente parece fruto da segunda Intifada e do fracasso da táctica negocial de Yasser Arafat para a criação do Estado Palestiniano. Ao insucesso de Arafat correspondeu o sucesso de Ariel Sharon que (graças ao apoio dos EUA) logrou montar uma estratégia de minar a Autoridade Palestiniana, conjugada com o alargamento dos colonatos e o a permanente criação de um número cada vez mais de limitações às movimentações no interior dos territórios palestinianos, conduziu à total asfixia da débil economia palestiniana.

Após a morte de Arafat a Fatah liderada por um Mahmoud Abbas demasiado comprometido com Israel e os EUA e o Hamas, dividido entre a liderança interna de Ismail Haniyeh e a que no exterior mantém Kaled Meshal, têm-se envolvido num combate que extravasou já a esfera política; a Fatah, na ausência de um líder forte e carismático, viu-se derrotada num processo eleitoral que, apesar de classificado pelos observadores ocidentais que o acompanharam como totalmente democrático, foi rapidamente ultrapassado pela inqualificável política norte-americana de bloqueio.

Com os Acordos de Oslo definitivamente enterrados e o aproveitamento da Guerra contra o Terror lançada pela administração de George W Bush para aumentar ainda mais a pressão sobre o governo palestiniano do Hamas têm-se criado as condições para o recrudescimento da violência na região. Exemplo disto mesmo é o recente cenário de confrontos entre o exército libanês e os milicianos da Fatah al-Islam (movimento dissidente da Fatah Intifada, esta já dissidente da Fatah), nos campos de refugiados palestinianos de Aïn El-Héloué ou de Nahr Al-Bared, no Líbano.

A tentativa renovada pela Arábia Saudita em finais de Março para relançar a proposta de paz apresentada pela Liga Árabe em 2002, conhecida como o Plano de Beirute, que prevê uma solução para cada um das três mais importantes questões – Jerusalém, fronteiras e refugiados – propõe:

  • a retirada israelita de todos os territórios ocupados na sequência da Guerra dos Seis Dias (1967) - Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental e os montes Golã sírios;
  • o reconhecimento de um Estado palestiniano com Jerusalém como capital e concordar com o direito ao regresso dos refugiados palestinianos;
  • o reconhecimento por todos os países árabes e muçulmanos do direito à existência do Estado de Israel dentro de fronteiras seguras e estabelecimento com este de relações diplomáticas plenas;

esta proposta, que Israel prontamente repudiou pela voz da sua ministra dos negócios estrangeiros, Tzipi Livni, poderia ser uma interessante base de trabalho; talvez a única neste momento, caso os EUA, UE e a Rússia se interessem verdadeiramente por encontrar uma solução para a pacificação no Médio Oriente.

Os contactos agora restabelecidos entre os EUA e o Irão poderão ser um primeiro sinal positivo nesse sentido, embora o número de incógnitas ainda seja grande enquanto se aguardam mais reacções da Síria (ainda e sempre particularmente interessada no Líbano e na recuperação da soberania sobre os Montes Golã que Israel ocupa), do Egipto (particularmente interessado na destruição da principal força de oposição islamita interna, o movimento dos Irmãos Muçulmanos) e da própria Arábia Saudita, cujo regime sofre enormes pressões de facções religiosas islamitas, como é o caso dos wahabitas (facção mais extremista do ramo sunita).

2 comentários:

Barão da Tróia II disse...

Infelizmente mais uma grande trapalhada, connosco a comer por tabela, boa semana.

antonio ganhão disse...

Meu caro, os Israelitas saíram do Líbano, mas os ataques aos campos de refugiados continuam, agora pelo exército Libanês.

Que fazem os soldados portugueses? Não é seguramente proteger as populações dos campos de refugiados! Não será antes proteger a retaguarda do exército Libanês contra uma resposta da Síria?

Pelos vistos esta é uma área onde a Europa consegue projectar forças militares, sem os americanos para lhes mudar as fraldas, o resultado, infelizmente, não é muito diferente para as populações locais...