quarta-feira, 1 de novembro de 2006

HAVERÁ VIDA PARA ALÉM DO DEFICIT?

Não há muito tempo Jorge Sampaio, então Presidente da República, chamou a atenção para a necessidade de não se transformar a importante necessidade de controlo do deficit orçamental em algo de absoluto e de objectivo único.

Ao ler na diagonal a proposta de orçamento apresentada pelo governo de José Sócrates, aquelas palavras voltaram-me à memória, até porque fariam hoje o mesmo sentido de então.

Apesar das boas intenções do ministro de economia, que recentemente declarou “o fim da crise”, não ficarão quaisquer dúvidas perante a proposta de orçamento que aquela declaração soa a falso, como ainda estamos longe (se calhar cada vez mais longe) de podermos pensar no seu fim.
Não estou a pensar apenas no corte nas despesas de investimento público (afinal aquele que na maior parte das ocasiões tem servido para esconder a ineficácia e a ineficiência do sector privado – o tal que não desiste de apelar ao «MENOS ESTADO, MELHOR ESTADO») mas sobretudo ao agravamento generalizado dos impostos, e muito em especial da carga fiscal sobre o trabalho, em resultado de aumentos salariais muito inferiores à inflação e de uma intencionalmente distorcida actualização dos escalões de IRS.

Cruzando estas linhas gerais com notícias recentes como a do perdão concedido pelo governo aos bancos que se “esqueceram” de reter na fonte o IRS e o IRC devido no pagamento de juros a investidores em obrigações emitidas por sucursais no exterior, fica claríssimo que continuamos perante uma despudorada política de privilégio de quem mais tem em detrimento de quem menos tem.

Pior do que isto (que para muitos de nós já não é um dado novo) é continuarmos a assistir à denodada intenção do governo praticar uma política de contenção e de limitação dos gastos sempre no mesmo sentido, porque na ausência de meios (leia-se dinheiro) para investimento em sectores de evidente interesse comum e nacional, como é o caso da saúde, da segurança e da educação, continuam os nossos governantes apostados no lançamento de megalómanos projectos de duvidoso interesse e de reduzido impacto para a economia nacional. Já depois de apresentada a proposta de orçamento soubemos pela boca do ministro das obras públicas, Mário Lino, que além da linha TGV entre Lisboa e o Porto, de muito duvidosa utilidade e rentabilidade, afinal também vai ser construída uma linha do TGV entre o Porto e Vigo.

Comparativamente com esta decisão, que num país economicamente desenvolvido até poderia ser aceitável, a elaboração da proposta de orçamento contém em si a mais baixa filosofia da organização económica de um país subdesenvolvido – a fixação artificial de salários baixos por via da previsão de valores ridículos para a inflação. Como se não tivesse bastado o facto de em tempos se ter passado a balizar os aumentos salariais anuais em função de uma inflação esperada em prejuízo da utilização da inflação registada (única forma de garantir alguma correcção e reposição do poder de compra perdido em cada ano), temos agora assistido de forma recorrente à prática da fixação administrativa da inflação do próximo ano (sempre em valores cada vez mais baixos). Por esta via, Portugal é seguramente o país mais avançado do Mundo, uma vez que é o único onde os economistas e demais estaticistas oficiais conseguem o que jamais alguém conseguiu – ADVINHAR O VALOR DA INFLAÇÃO com mais de doze meses de avanço.

A completa palhaçada em que os sucessivos governos, liderados pelo PS e pelo PSD,
transformaram o processo de ajustamento salarial a um indicador económico-financeiro fictício e manipulável – A INFLAÇÃO ESPERADA – em detrimento do natural processo de indexação salarial à inflação registada no período anterior, conduziu, conjuntamente com as diminutas alterações à tributação dos rendimentos, a um agravamento indirecto da carga fiscal da generalidade dos trabalhadores por conta de outrem (tal como em anteriores orçamentos, também para 2007 a actualização dos escalões de IRS deverá ser inferior aos aumentos médios registados em 2006).

De acordo com os dados do INE, o trabalho assalariado é a principal fonte de rendimento da maioria da população nacional e há mais de dez anos que não se registam acertos salariais concordantes com a inflação registada, seguindo-se a este grupo o dos pensionistas, que também em 2007 deverão ver o seus rendimentos atingidos pelo agravamento fiscal derivado da redução do valor da dedução específica (parcela de rendimento que o sistema fiscal deduz ao rendimento bruto para a determinação do rendimento líquido). Por último, mas nada estranho, é o facto de mais uma vez se constatar que os rendimentos menos penalizados no ordenamento fiscal nacional serão os derivados de aplicações de capital.

Os detentores deste tipo de rendimentos (uma ínfima minoria segundo os mesmos dados do INE), ou seja aqueles que auferem rendas, dividendos e juros, continuarão a ver protegidos os seus muito legítimos interesses – PORTUGAL CONTINUA A SER UM PAÍS DEFENSOR DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS.

A ninguém deverá passar pela cabeça que tal facto se deva a outras razões (por exemplo, o facto da generalidade dos deputados e dos políticos serem oriundos do grupo de trabalhadores por conta própria) que não a justa preocupação dos nossos governantes com o aumento da riqueza e bem estar das populações, tanto mais que se não fossem os grandes investimentos protagonizados pelos industriais e empreendedores privados, se não fosse a riqueza assim produzida dificilmente poderíamos auferir qualquer tipo de salário.

Embora isto não conste no documento, pomposamente intitulado, Orçamento Geral do Estado para 2007, temos garantido a concretização dos seguintes factos para 2007:
- continuaremos a ser dos países da Europa com os salários mais baixos;
- os incentivos à investigação e ao desenvolvimento tecnológico voltarão a fazer parte dos discursos dos nossos políticos, mas nunca das suas reais preocupações;
- acordos como os recentemente celebrados com o MIT (e tão propagandeados na imprensa nacional) não resultarão na criação de uma nova geração de investigadores mas na garantia da continuação do êxodo dos melhores “cérebros” para o estrangeiro;
- os lucros dos donos das empresas nacionais (grandes ou pequenas) continuarão a crescer mercê da assegurada redução nos custos fixos com a mão-de-obra;
- as generalidade das empresas nacionais continuará a apresentar reduzidos lucros contabilísticos (não confundir com os lucros dos donos das empresas), suficientes para garantirem uma reduzida tributação em sede de IRC, favorecendo simultaneamente o crescimento da economia paralela.

Numa palavra: teremos assegurado um futuro tão brilhante, quanto o tem sido o nosso passado recente e o Estado continuará a alimentar-se do muito que pagam os que menos recebem…

Concluindo da forma como comecei, receio bem que depois de controlado o deficit (em grande parte originado pelos que menos impostos pagam), pouca vida reste aos que sempre têm pago!

1 comentário:

Anónimo disse...

Máfias tomaram de assalto o controlo do Estado.
Actualmente, o Estado é um Robin dos Bosques ao contrário: rouba ao pobres para dar aos ricos.

Não se deve acabar com o Estado.
Deve-se, isso sim, é acabar com as Máfias.