domingo, 14 de maio de 2006

AS MENTIRAS DA FALÊNCIA DA SEGURANÇA SOCIAL

No final do mês passado abordei aqui a questão da insolvência do sistema de Segurança Social e as propostas que o governo de José Sócrates veio apresentar para resolver aquela situação.

Espero ter deixado claro muito do que demagogicamente tem vindo a ser dito sobre a situação e parece-me ser agora o momento de abordar de forma mais minuciosa as linhas gerais da proposta governativa.


Admitindo, como o fiz anteriormente, que os cálculos apresentados pelo governo estarão correctos e que dentro de poucos anos não haverá mais condições financeiras que sustentem o pagamento das pensões de reforma, aquilo que o nosso governo vem agora propor é o aumento do tempo de descontos por forma a garantir a tal sustentabilidade futura. Esta proposta, à qual já teci algumas críticas, resulta do simples facto de entenderem os nossos governantes que as pensões de aposentação devem ser “pagas” pelos trabalhadores no activo e as respectivas entidades patronais, ou seja, aquilo que nos é dito é que o sistema de Segurança Social nacional funciona à semelhança de qualquer outro sistema de financiamento correntemente denominado como “pirâmide”, onde os rendimentos dos participantes são garantidos pelo número de novos participantes.

Para quem queira um mínimo de trabalho a consultar algumas obras sobre o assunto constatará que qualquer sistema que pressuponha a realização de pagamentos periódicos para originar um rendimento futuro (seja ele pago de forma faseada ou numa única prestação) deve ser sustentado por um processo de capitalização dos fundos recolhidos e não por um sistema do tipo “pirâmide”.

Como se não bastasse este processo aberrante de concepção do financiamento da Segurança Social, lembro que ao longo das últimas décadas esta questão sempre tem sido encarada de forma enviesada (e remetendo para um futuro ignoto a sua milagrosa resolução); é que já nos anos de 1980 um governo da época, chefiado por Mário Soares, introduziu uma subtil alteração legislativa que, em termos práticos, colocou os aposentados a descontar para a sua própria aposentação quando limitou as pensões dos trabalhadores reformados ao salário líquido de um trabalhador no activo com a mesma categoria e o mesmo tempo de serviço (mesmo parecendo de elementar justiça o que já então se estava a assegurar não era o aumento das receitas capitalizáveis mas sim a redução da despesa mensal com as pensões) e isto porque pouco tempo antes fora já introduzida uma outra fortíssima perturbação no sistema, quando uns milhares de ex-funcionários públicos das ex-colónias (na época integrados num designado Quadro Geral de Adidos) passaram a auferir uma pensão de aposentação independentemente da sua idade, quando os congéneres originários do continente se viam obrigados a aguardar pelo limite de idade (salvo erro 65 anos) para se candidatarem a igual regalia.

Pelo que anteriormente ficou dito é imperioso extrair as seguintes conclusões:
  1. nas últimas duas ou três décadas o sistema de Segurança Social conheceu importantes alterações (das quais a principal foi o aumento desproporcionado de novos pensionistas) que subverteram totalmente a sua forma natural de funcionamento;
  2. o sistema nacional de Segurança Social não perdeu sustentabilidade pelo aumento da esperança média de vida nem pela inevitável inversão registada na pirâmide etária;
  3. que a situação de pré-falência financeira do sistema resulta da irresponsabiliddae de quem assumiu aquelas alterações sem o correspondente reforço da componente financeira.

Como se não bastasse este acumular de erros, o habitual facilitismo e desresponsabilização que grassam nas estruturas político-partidárias que têm governado este país e na própria estrutura directiva do aparelho de estado (minada por nomeações partidárias), conduziu a que num afã para “tapar o Sol com uma peneira” se tenha convertido o sistema de Segurança Social de um modelo baseado na capitalização das receitas por forma a assegurar os reembolsos futuros, num outro onde as responsabilidades actuais são asseguradas pelos pagamentos actuais. Desta forma não é preciso ser um especialista em estatística ou calculo actuarial para prever uma rápida falência para este modelo, em resultado da redução do número de trabalhadores activos (seja pela regressão que vem registando o crescimento da população, seja pelo aumento do desemprego).

Assim, não resta outra conclusão sobre o que governo, associações patronais, sindicatos e outros especialistas vêem dizendo que classificá-la de clamorosa MENTIRA, bem como recusar a aplicação das medidas propostas – aumento do período de vida útil de trabalho ou aumento das comparticipações a descontar para a Segurança Social – na medida em que o desequilíbrio não se resolverá enquanto não se substituir o sistema de assegurar os pagamentos actuais com os descontos actuais pelo sistema de capitalização destes descontos para pagamento das pensões futuras.

Em resumo, apenas deverão ser ponderados eventuais sacrifícios (aumento da idade da reforma ou agravamento dos descontos para esse efeito) quando, e só quando, o governo assegurar a correcção da situação mediante a injecção dos capitais indispensáveis à viabilidade dos encargos que governos anteriores assumiram.

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