domingo, 30 de outubro de 2005

SEGURANÇA SOCIAL

Não há dia que um qualquer órgão de comunicação social não faça eco ou mencione a situação de rápida insolvência para que caminha o sistema de segurança social português.

Raramente encontrei números que esclareçam ou confirmem esta conclusão, e quando alguns são referidos são sempre os dos “deficits” ou dos subsistemas deficitários.

Sendo uma realidade o fenómeno de envelhecimento da população portuguesa (aliás fenómeno idêntico sofrem a generalidade dos países europeus), cujas causas seria interessante debater mas que extravasam a questão, não me parece ser este o exclusivo responsável pela situação, uma vez que o aumento da esperança média de vida não apresenta valores que conduzam à conclusão de que o número de anos que cada cidadão recebe da segurança social se aproxima do número de anos em que pagou.

Teoricamente os sistemas de segurança social são organizados de forma a assegurar aos seus associados que os montantes arrecadados ao longo do seu período de vida útil garantem, numa data futura, o pagamento de uma compensação. Este montante é normalmente designado por pensão de reforma, uma vez que o seu pagamento se inicia após o término da vida activa.
Aos gestores daquele sistema (como aos dos fundos de pensões “oferecidos” pela generalidade das companhias de seguros) pede-se uma correcta e cautelosa aplicação dos montantes recebidos de forma a assegurarem, por via da respectiva rentabilização, que os associados venham a receber as compensações (reformas) esperadas.

Se, de acordo com a versão dos nossos dirigentes, se vive uma situação que a breve trecho resultará na insolvência da segurança social tal apenas se pode justificar por:
falhas nas entregas ao sistema;
incorrecta aplicação dos fundos disponíveis;
desvio de fundos disponíveis.

Analisemos uma a uma as hipóteses. Se os montantes recebidos se revelam insuficientes não é seguramente responsabilidade dos trabalhadores por conta de outrem que mensalmente vêm retidos na fonte os respectivos montantes contributivos, mas sim porque os agentes responsáveis pela retenção e posterior transferência (acrescida da quota parte com que nos termos da lei lhes compete contribuir) a não executam e os gestores do sistema nunca se preocuparam o suficiente para corrigir a situação.


É verdade que no caso português ocorreu há cerca de 30 anos uma significativa alteração no cenário até então vivido pelo sistema de segurança social. Quando após o 25 de Abril foi decidido pelo governo da época que deveriam ser pagas pensões a todos os cidadãos (como medida de natureza social e de minoração de situações de precaridade económica), o sistema deveria ter sido dotado dos volumes de capital necessários ao seu equilíbrio futuro, decisão que, estou bem em crer, nunca foi tomada.


Têm chegado ao conhecimento público inúmeras situações de empresas que unilateralmente suspenderam as transferências devidas e que esses valores, fosse por falência fosse por outras razões, nunca foram devidamente compensados, havendo mesmo provas que o próprio Estado é relapso nas suas obrigações; há cerca de um ano a imprensa fez eco do facto do Ministério das Finanças não proceder à entrega dos descontos dos seus funcionários para a Caixa Geral de Aposentações.


Por último, será que os fundos recebidos ao longo dos anos, que não apresentam hoje valores suficiente para a cobertura das responsabilidades (pagamento das pensões e reformas) foram correctamente aplicados ou pelo contrário foram-no em aplicações que pelo seu carácter altamente especulativo redundaram em prejuízo, ou pior ainda, foram desviados para acorrer a outras “despesas” e necessidades?


Para os que julgarem isto absurdo, recordo que em 2004 o governo de Santana Lopes procedeu à apropriação do fundo de pensões dos trabalhadores da CGD (fundo autónomo) para escamotear o deficit público, contribuindo por esta via para aumentar os encargos da Caixa Geral de Aposentações.


Os cenários traçados são demasiadamente graves para poderem permanecer silenciados, tanto mais que continuamos a assistir a um despudorado discurso de inevitabilidades – talvez real – sem uma única palavra ou esclarecimento sobre as razões que estiveram (ou estão) na origem do problema.


Seguro é que os sistemas de segurança social serão cada vez mais indispensáveis e que a sua viabilidade só se poderá questionar quando todas as premissas do problema forem do conhecimento público e que os responsáveis pela situação sejam devidamente sancionados, a menos que todo este alarido tenha por finalidade privatizar todo o sistema de segurança social (o sector financeiro agradeceria mais esta benesse de um Estado que para ele tem sido mais que providência, enquanto para outros tem sido padrasto) e, talvez proporcionar ao Estado mais uma hipótese de apropriação indevida de fundos.


Há semelhança da iniciativa lançada a propósito da publicação dos estudos para a construção o aeroporto da Ota e do TGV, talvez fosse igualmente pertinente exigirmos a apresentação pública das contas e das projecções relativas aos sistemas de segurança social nacional.

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