sábado, 29 de outubro de 2005

RESCALDO DAS AUTÁRQUICAS

Discordo profundamente da prática de avaliar qual o partido que venceu eleições autárquicas, porque entendo, e julgo ter deixado isso bem claro noutras oportunidades, que a votação para os elencos autárquicos deve obedecer a princípios radicalmente distintos dos que norteiam as eleições gerais. Nestas escolhem-se representantes para uma câmara parlamentar – órgão a quem compete a aprovação dos documentos e leis que regerão a nossa actividade – e de cuja composição deverá resultar a nomeação presidencial da personalidade que dirigirá o governo (conjunto de ministros, secretários e sub-secretários de estado); nas eleições autárquicas trata-se de escolher as equipas que irão dirigir câmaras e juntas de freguesia, e nas quais o elemento de proximidade e conhecimento pessoal de muitos dos candidatos determina (ou deveria determinar) escolhas não obrigatoriamente associadas a filiações ou simpatias partidárias.

Nesse sentido o último acto eleitoral e os respectivos resultados assumiram contornos merecedores de reflexão.

Por diversas vezes durante a campanha autárquica aqui manifestei a minha total oposição à presença de candidatos que entendia (e entendo) não reunirem o mínimo de condições para o exercício daquelas funções. A graduação de capacidades é um exercício de natureza pessoal e profundamente discutível, mas a candidatura de indivíduos condenados pela justiça por crimes praticados enquanto autarcas ou deles indiciados e com processos em curso da mesma natureza, parece-me razão mais que suficiente para os tornar inqualificáveis para a função.

Se me empenhei na oposição à eleição dos tais «candidatos-bandidos», fi-lo com a profunda convicção de que tal tipo de indivíduos não pode ser qualificável para a função, mas também porque a sua eventual eleição constituiria argumento das estruturas partidárias para denegrirem a eleição de “independentes”.

Exemplo disto é a notícia do ocorrido na Câmara de Amarante. Na sequência da eleição de Ferreira Torres para o lugar de vereador, o recém-eleito presidente Armindo Abreu (PS) apelou aos vereadores eleitos pelo PSD no sentido do estabelecimento de um consenso que conduza ao isolamento dos eleitos pela lista “Amar Amarante”.

Descrita a situação desta forma, no Diário de Notícias, o que parece estar a acontecer é uma reacção à presença de eleitos independentes e não, como deveria, à presença entre os eleitos de um «candidato-bandido».

A reforçar esta conclusão, o mesmo jornal insere uma outra notícia onde é descrita a falta de comparência dos eleitos do PS e PSD à cerimónia de tomada de posse do novo executivo da Câmara de Sabrosa, que será liderado pelo independente José Marques.

Estes dois actos, diversos na forma, parecem-me demasiado coincidentes no conteúdo para não representarem uma acção concertada para desacreditação das candidaturas independentes.

Como se já não fosse bastante grave o facto de haver presidentes de câmaras que beneficiando de situações de maioria se recusam a distribuir pelouros pelos vereadores eleitos pelas oposições – num acto que configura uma atitude de absoluta prepotência, desrespeito pelo sentido de voto e com os prejuízos naturalmente resultantes da acumulação de funções por um menor número de vereadores executivos – temos agora a situação de vereadores que eleitos por estruturas partidárias se recusam a co-habitar com os eleitos independentes.

Confirmando-se a leitura apriorística que fiz, se não surgir uma rápida, enérgica e eficaz condenação destas atitudes pelas direcções do PS e PSD, não só se confirmará a existência de uma estratégia concertada, como esta representa uma profunda machadada no funcionamento democrático das autarquias e do próprio país.

Perante atitudes deste tipo como podem os partidos políticos esperar um mínimo de atenção e respeito dos eleitores?

Como esperam vir a reduzir a tendência para o aumento da abstenção aos actos eleitorais?

Como esperam os políticos nacionais não ser alvo de críticas e acusações sobre o estado a que chegou a representatividade democrática?

A ausência de respostas positivas justifica a conclusão de que o verdadeiro objectivo das estruturas partidárias é a da sua perpetuação no poder (ou nas suas franjas) mesmo que este seja fruto de um mero processo de auto-votação (os candidatos a votarem em si próprios).

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