terça-feira, 31 de janeiro de 2017

AINDA A REFORMA DO EURO

Numa época em que parece fazer sentido erguer muros no lugar de pontes (veja-se as recentes medidas da administração Trump) aconteceu que final da semana passada «Lisboa acolhe cimeira de sete países do sul da Europa para preparar posições comuns» em temas como: o euro, a economia, o investimento e a convergência, a segurança interna e externa das fronteiras, o terrorismo, as migrações e a cooperação com outros países do Mediterrâneo e de África; sobre os quais «Países do sul da Europa acordam cooperar para Europa “forte e unida”».

Os líderes de Portugal, Grécia, França, Espanha, Itália, Chipre e Malta procuraram deixar claro que o actual «"Tempo de incertezas" obriga a uma "União Europeia mais forte e mais unida"», no que parece significar alguma confluência de intenções, mesmo que os seus os resultados práticos sejam ainda uma mera miragem.


Claro que o tema central de todas as preocupações recai sobre o desenho da Moeda Única e uma UEM que tarda em apresentar-se como um mecanismo eficaz e afirmar-se que a «Reforma do euro centra debate na cimeira dos sete do Sul da UE», quando, a crer na intervenção de António Costa (que pode ser lida aqui, na íntegra) o que se pretende é ir «...aperfeiçoando e completando a União Económica e Monetária, melhorando o Tratado Orçamental e dotando a Zona Euro de recursos orçamentais próprios, dignos desse nome». Algo tão vago e anódino que levou Duarte Marques a escrever no EXPRESSO que «António Costa recupera propostas de Passos Coelho e até faz boa figura».

A revisão do Tratado Orçamental, especialmente na flexibilização do colete de forças legal que está a estrangular qualquer hipótese de rápida recuperação das economias europeias, a criação duma capacidade orçamental própria e a melhoria dos mecanismos da UEM são questões que a progressiva extinção do estafado argumento da inexistência de alternativa revela como cada vez mais candentes e que a anunciada postura da nova administração Trump, que pela voz do seu putativo embaixador junto da UE, Tedd Malloch, vai prognosticando que a «Moeda única pode entrar em colapso nos próximos 18 meses», apenas torna mais urgente.

Parecendo cada vez mais consensual a necessidade de reformar a Moeda Única, parece igualmente evidente que a sua principal limitação deriva do facto de ter retirado aos Estados qualquer papel no processo de criação de moeda, situação que urge inverter fazendo subordinar essa criação ao interesse-geral e não ao interesse particular dum sector económico tão desordenadamente auto-regulado como o sector financeiro.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A VELHA FACE DA AMÉRICA

As notícias que nos chegam do outro lado do Atlântico, que vão desde o simples «Trump promete a empresários suprimir 75% da regulamentação e baixar impostos» ao discutível «Trump diz que tortura funciona e está disposto a aplicá-la» ou ao preocupante «Trump já assinou autorização para a construção do muro com o México» e «Trump assina decreto para relançar dois oleodutos controversos», serão mais ou menos inquietantes mas perfeitamente enquadráveis no egocentrismo do nóvel inquilino da Casa Branca e merecedoras de futura apreciação nos seus efeitos práticos.

Já a recente notícia de que os «Republicanos do Wyoming querem multar produtores de electricidade que usem energia eólica ou solar» não será um mero reflexo da chegada de Trump à Casa Branca, antes a consequência duma visão redutora da realidade que as franjas mais boçais da sociedade americana há muito nos habituaram. Negar o efeito da acção humana nas alterações climáticas ou defender até ao absurdo o direito ao porte de arma, são apenas dois dos aspectos duma sociedade que ainda não resolveu muitas das suas mais profundas e enraizadas contradições, nem apresenta progressos na formação e educação semelhantes aos do seu desenvolvimento económico.


A origem de semelhante ideia – que por absurdo se poderia comparar à de penalizar os consumidores de água em detrimento dos consumidores de cerveja, porque os primeiros penalizam os lucros dos cervejeiros – afigura-se quase comparável à dos antigos movimentos que nos primórdios da Revolução Industrial defendiam a destruição da maquinaria por esta “roubar” postos de trabalho; não é apenas perigosa no que respeita à conservação da natureza, é reveladora dum pensamento primário potencialmente muito perigoso quando aplicado aos grandes problemas mundiais.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

TRUMP EM WASHINGTON E XI EM DAVOS

A cerimónia da tomada oficial de posse de Donald Trump como Presidente dos EUA coincidirá com o fim da edição anual da Cimeira de Davos, fórum que ficará marcado pela presença de Xi Jinping, o seu homólogo chinês, que na primeira presença dum líder do Império do Meio e num momento em que «Elites de Davos buscam respostas a incertezas mundiais no início da era Trump» deixou bem clara a mensagem onde o «Presidente da China avisa que não há vencedores numa guerra comercial».


Claro que o principal destinatário deste aviso é um novo inquilino da Casa Branca com óbvias dificuldades de afirmação externa, nenhuma experiência política e um currículo empresarial de muito duvidosa qualidade.

A presença de «Xi Jinping em Davos num momento de tensão com os EUA» não é coincidência nem opção para encarar levianamente, tanto mais que a mera referência ao papel dum «Presidente chinês em destaque em Davos face a tendência populista no Ocidente» é, de per si, uma clara afirmação da intenção de ocupar, na cena internacional, o papel central que os EUA se têm revelado incapazes de assegurar e quase seguramente Trump irá degradar com a sua postura megalómana e o seu comportamento errático.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

NOVO BANCO, PROBLEMAS VELHOS

A recente notícia de que o «Banco de Portugal escolhe Lone Star para negociar venda do Novo Banco» por um valor da ordem dos 750 milhões de euros, não terá estalado como uma bomba porque já estamos demasiado habituados a ver contrariadas as melhores previsões sobre o sector financeiro, mas justifica plenamente, como o fez Nicolau Santos em «Novo Banco: o brutal falhanço do Banco de Portugal» «...concluir‑se que o Banco de Portugal não sabe vender bancos. E que Carlos Costa é o pior governador que passou pelo banco central – apesar de continuar a atirar as culpas para cima de outros.»


Recorde-se que quando o Banco de Portugal anunciou a resolução do BES, no início de Agosto de 2014, e o Fundo de Resolução e o Governo PSD/CDS injectaram quase 5 mil milhões de euros na parte sadia do banco que a família Espírito Santo e Ricardo Salgado tinham dirigido, já se questionava se o «Novo Banco vale 4,4 mil milhões de euros?» Dois ou três meses depois o próprio «Carlos Costa admite perdas na venda do Novo Banco» e na primeira tentativa de venda, em Abril de 2015, as «Propostas ficam todas abaixo dos 4,9 mil milhões», para em Agosto já se dizer abertamente que a «Resolução do BES "pode custar muitos milhões aos contribuintes"».

Em finais de 2015 e depois de recusadas propostas de compra do Santander e do BPI, entre os 2 e os 2,8 mil milhões de euros, o Banco de Portugal resolveu contratar um ex-secretário de Estado do Governo PSD/CDS, Sérgio Monteiro, com um contrato de 12 meses e mediante uns parcos 300 e tal mil euros, para gerir adequadamente o dossier; com o contrato já prorrogado e os custos a rondarem o meio milhão de euros, eis que tudo o que o “especialista” conseguiu foi uma oferta de 750 milhões de euros, por um banco com um valor patrimonial declarado de quase mais 6 mil milhões de euros, e ainda a associação duma garantia pública de 2,5 mil milhões de euros, para prevenir qualquer eventualidade...

E, na linha do que o principal responsável pelo nebuloso negócio de privatização da TAP nos habituou, tudo o que conseguiu foi uma proposta apresentada por um fundo de private equity (fundo que habitualmente se designa de “fundo abutre”, por se especializar na aquisição de empresas com grande património imobiliário a preços muito reduzidos, que rapidamente desmembra para vender os imóveis), e que ainda exige contra-garantias públicas de 2,5 mil milhões de euros, que se traduzirão num garantido agravamento de mais 2 mil milhões de euros aos prejuízos já acumulados.

Que adiantam agora declarações de que o «"Processo foi um fiasco" e propostas são "vexatórias"», salvo alguma irrisória pressão sobre os compradores?

Claro que «Perdas que nem Estado nem compradores querem assumir dificultam venda do Novo Banco», mas explicações sobre uma tão rápida erosão de valor do Novo Banco, nem vê-las! O que se vislumbra serão «Seis desfechos para o Novo Banco e nenhum é bom», pois desde: 1) o Estado dar a garantia exigida pelo Lone Star e o Fundo de Resolução arriscar vender o Novo Banco com prejuízo; 2) não dar a garantia, eliminando os riscos mas dificultando a venda; 3) nacionalizar o Novo Banco e ficar com este e a CGD; 4) deixar a CGD (quejá tem a maior fatia de investimento no Fundo de resolução) comprar e absorver o Novo Banco; 5) prolongar a situação de transição do Novo Banco na expectativa de o vir a vender por um preço mais adequado; 6) optar pela liquidação do Novo Banco e procurar vendê-lo por partes; o que temos de seguro é que vender o terceiro banco do país ao Lone Star ou a qualquer outro equity fund, cujo negócio é a dívida e a destruição de empresas para a sua venda a curto prazo, traduzir-se-á, com ou sem garantias adicionais, na destruição de valor e no agravamento dos prejuízos públicos. Da nacionalização, com integração ou não na CGD, resultarão dificuldades adicionais com a UE e previsíveis novas necessidades de capital, o mesmo sucedendo com o prolongamento da situação (na realidade uma nacionalização temporária); a liquidação ordenada poderá permitir a integração das actividades mais importantes e rentáveis noutras instituições financeiras e alguma minimização dos efeitos perniciosos duma venda apressada e sem outro fito que o lucro imediato.

Em resumo, bem se pode dizer que vender ou «Nacionalizar o Novo Banco: como e quanto custa? Ninguém sabe», mas era importante que uma questão desta natureza e dimensão fosse respondida com melhor informação e quantificação de cada uma das alternativas, sem dogmatismos nem histerismos pseudo-ideológicos.

domingo, 8 de janeiro de 2017

A “PÓS-VERDADE” E O POPULISMO

Nos últimos tempos não há meio de comunicação que se preze que, a propósito do “Brexit”, da eleição de Trump,do referendo italiano ou das eleições europeias que se avizinham, não refira a “pós-verdade” para explicar o que lhes afigura inexplicável.

A “pós-verdade”, afinal, não é mais que uma narrativa onde a emoção e as convicções pessoais desempenham um papel mais decisivo na construção da opinião pública que os factos objectivos; por outras palavras, trata-se da aplicação dum princípio geral bem conhecido no marketing, onde o que importa não é a realidade, mas a percepção que dela temos... ou que os demagogos nos vendem. Entrámos no campo ideal do populismo onde alguém apresenta algumas verdades aceites pela generalidade, mas de cuja enunciação duma forma incorrecta, resulta o seu reconhecimento como o novo salvador.


Se alguém reconhecer nesta descrição um qualquer recém-chegado à política não é coincidência, antes é porque ele não passa dum demagogo populista.

Mas isto está a acontecer apenas pelo desgaste dos políticos tradicionais, porque é crescente o número dos que se estão a deixar seduzir por estas novas figuras, ou pelos interesses que os sustentam?

E como podem (e devem) ser combatidos?

E, em boa verdade se diga, que o melhor antídoto continua a residir numa observação e análise criteriosa dos seus discursos e da exigência por políticas de autenticidade. Habituemo-nos a contrariar a aceitação fácil e acrítica do que ouvimos e lemos; pensemos na quantidade de informação que diariamente nos fornecem para no dia seguinte a desdizerem ou contradizerem com a mesma facilidade e ligeireza de sempre. Interroguemo-nos, sempre, sobre quem pode efectivamente beneficiar de cada evento ou ideia que nos apresentam como absolutos e definitivos.

Lembremo-nos que a tão necessária autenticidade pode começar por aqueles que analisem e reconheçam os seus próprios erros... O que no caso europeu significaria:

  • reconhecerem que os critérios de convergência do Tratado de Maastricht resultaram num crescente divórcio entre a política e os cidadãos;
  • reconhecerem que não souberam aproveitar o alerta lançado pelos cidadãos em 2005, quando da rejeição francesa e holandesa do Tratado que propunha uma Constituição para a Europa;
  • reconhecerem que a corrupção globalizada e a sua quase ausência de resposta, levaram a alargar um fosso que outra coisa não faz que multiplicar os problemas:
  • reconhecerem que foram os líderes dos partidos políticos que desgastaram a sua própria legitimidade, quando o mundo globalizado e os partidos deviam ter procurado estruturar-se e converter-se em partidos transeuropeus;
  • reconhecerem sua incapacidade de prever e criar uma visão para o futuro, identificando os principais desafios para as sociedades que pretendem dirigir.
Mas, serão os actuais líderes ocidentais (social-democratas, democratas-cristãos, liberais, ou qualquer outra que seja a sua “família” política) capazes desse passo indispensável para parar a onda de populismo que grassa ou continuam agarrados à ideia que o reconhecimento dos erros (e a óbvia e indispensável correcção possível) destruí-los-ia e aos seus partidos?

Na falta de personalidades carismáticas do passado – Olof Palme, Willy Brandt ou até Mário Soares, que com a suas qualidades e defeitos conseguiram sobrelevar o  interesse geral sobre o particular –, teremos agora que ajudar a criar novas, se quisermos recuperar alguma da dignidade e dos valores que os interesses instalados têm subvertido.