segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O PEDRO, O LOBO E OS BOBOS

Apesar de muito conhecida a história do jovem pastor que se divertia alarmando os demais com a ameaça do lobo, parece haver ainda quem insista na ideia de que repetindo um desejo até à exaustão este acabe por se concretizar.


Desde o anúncio da formação do actual governo que as figuras (e os figurões...) associados ao anterior não têm parado de vaticinar o seu fim iminente; assim foi com o Orçamento para 2016, com a avaliação que dele faria Bruxelas, com as revisões do rating, com as sanções de Bruxelas, com... o que quer que seja que sirva para anunciar um vislumbre de regresso ao modelo de governação assente na “austeridade expansionista” tão cara aos neoliberais nacionais e europeus.

Assim voltou a suceder com a revelação da proposta de Orçamento para 2017, que logo que conhecida dela disse o inefável Marques Mendes que o «OE 2017 é “o princípio do fim da geringonça”», profetizando uma desagregação da coligação parlamentar mas nem uma referência ao facto daquele poder ser um orçamento subscrito por qualquer partido social democrata, a par com o anúncio que a «DBRS mantém rating de Portugal acima de ‘lixo’ com perspectiva estável».

Já antes daquele anúncio o NEGÓCIOS deixava antever que a «DBRS deverá manter "rating" mas ruído vai voltar», pois esta tem sido a estratégia recorrente de quem pouco ou nada tem para dizer – como é o caso de Pedro Passos Coelho (o ex-primeiro ministro e líder do PSD) para quem ora o «Orçamento é “embuste” que torna austeridade permanente» ora acusa o Governo de “fanfarronice” e assume que o país “já saiu da emergência” financeira – contra o actual governo; talvez mais comedido o ECONÓMICO já antecipa que a «“Geringonça” unida aprova Orçamento», algo que não irá impedir que continuem os alertas contra o lobo, lançados pelos pedros que continuam a julgar que todos somos bobos e que ainda se recusam a aceitar que a principal virtude da “geringonça” montada por António Costa reside no facto de estar a demonstrar que afinal havia alternativa à tal “austeridade expansionista” que nos venderam como via única para a nossa existência.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

ELEIÇÕES EUA

Pese embora mantenha integralmente, como que escrevi em 2008 no post «O QUE REPRESENTAM AS ELEIÇÕES AMERICANAS», que o complexo e moroso mecanismo eleitoral norte-americano mais não visa que assegurar a conformação do presidente eleito aos interesses das grandes empresas e dos potentados económicos que finaciam as campanhas eleitorais, a actual conjuntura (regional e global) justifica que se aprecie esta eleição como indicativo do estado do país e do Mundo.


Apesar da má qualidade, a campanha presidencial nos EUA tem a característica de deixar aflorar alguma liberdade de expressão, relacionada com a fractura da sociedade (incluindo o próprio establishment) em dois campos. Ora no caso da actual campanha ultra-polarizada, a separação habitual entre democratas e republicanos tornou-se um abismo de onde emergem imagens inesperadas do estado do país.

Assim, começaram a aparecer de repente artigos alarmistas sobre a economia dos EUA. Além do destaque político a que assistimos, há também o facto de que, por si só, a comunicação está a esgotar-se. Tomemos como exemplo os anúncios do Fed, onde Yellen consegue cada vez menos orientar os mercados com as suas declarações reconfortantes (quanto baste...) e os seus próximos aumentos das taxas que nunca mais chegam.

Com a eleição que se aproxima, torna-se impossível esconder os problemas anteriormente disfarçados nas boas notícia ou nas notícias estrangeiras – porque a eleição obriga o país a falar sobre si mesmo e a ver os seus próprios problemas. Estranhamente, é precisamente neste momento que as estatísticas de emprego mensal começaram a cair (com Maio a registar o pior mês, mesmo depois da revisão em forte baixa de Março e Abril, para a criação de empregos desde 2010), provocando um pequeno pânico que antecedeu uma reunião do Fed que planeava aumentar a sua taxa directora e que assim encontrou uma boa desculpa para nada fazer.

O mundo financeiro também começa a preocupar-se abertamente... mais de 10 biliões de obrigações soberanas apresentam agora taxas negativas, o equivalente ao PIB da zona euro que se transaccionam porque os especuladores antecipam que as taxas continuem a cair para assim obterem uma mais-valia com a sua venda mais cara (no mercado da taxa fixa o preço varia em sentido inverso da taxa); outro sinal é dado quando George Soros aposta na queda iminente dos mercados com a venda das suas acções para comprar ouro, ou quando a Goldman Sachs também antecipa uma forte queda nos mercados nos próximos doze meses e avisa que os mercados estão prestes a entrar no modo de "desespero", uma situação que lembra fortemente a de 2007...


Chovem os alertas sobre o estado da economia, talvez na esperança de evitar a repetição da tragédia de 2008 – que quase ninguém antecipou –, trazendo os actores económicos mundiais em seu socorro, mas desta vez os EUA enfrentam actores mais independentes, decididamente menos preocupados com o destino norte-americano e em grande parte focados nos seus próprios problemas. A China lança, de forma lenta mas segura, as bases dum novo mundo; a Rússia segue o seu caminho, sem se preocupar em agradar ao Ocidente; vendo aumentar as suas falências os produtores de petróleo norte-americanos parecem ter capitulado à guerra de preços conduzida pela OPEP.

Em resumo, a "aterragem forçada" da economia dos EUA, num remake hollywoodiano de 2008, não parece longe, tanto mais que, além do sector financeiro, há quem anteveja que as perspectivas para a economia real norte-americana também não são famosas, quem lembre que o endividamento (público e privado) está novamente ao nível do registado em 2008, que a taxa de emprego volta a subir (só 63% da população activa tem trabalho quando em 2000 essa percentagem era de 67%), que cerca de 45 milhões de pessoas (o valor mais alto de sempre) continuam abrangidas por um programa de apoio alimentar, que o sector de petróleo nem mantendo os baixos preços do petróleo pode ajudar a economia dos EUA, enquanto persiste o empobrecimento das famílias.

Nada disto constitui novidade, pelo que poderíamos continuar a retratar uma sociedade onde o desemprego, a pobreza, as falências e os problemas sociais se tornam cada vez mais relevantes. O pior é que todos estes elementos surgiram de repente nos meios de comunicação por causa dos interesses que se digladiam em torno das eleições de Novembro e não como resposta à necessidade de recolocar a economia e as pessoas numa via de progresso.

De alguma forma, a onda de más notícias e revelações colectivas sobre o facto de que os problemas não foram resolvidos nestes últimos 10 anos, estão a levar os eleitores a um profundo sentimento de desânimo e pode conduzir à tentação de passar a batata quente a Trump...

Até mesmo o resto do mundo está relativamente suspenso e incapaz de fazer qualquer coisa, senão preparar-se para o pior. Enquanto a Europa está a recuperar qualquer coisa (que mais não seja graças ao facto da imprensa norte-americana estar concentrada na sua política interna) e começa a resolver os seus problemas económicos (que não os seus problemas políticos), o Médio Oriente estará a resolver gradualmente as suas convulsões (como referi no post «TRÊS VISÕES PARA UMA REGIÃO»), a China e tomar paulatinamente o seu lugar na liderança global, todos continuamos suspensos da escolha dos eleitores norte-americanos e, como sabemos, a incerteza é grande. Combatendo essa incerteza e a sua dependência, como referem notícias da Bloomberg e do Telegraph que vão fazendo eco das vozes que denunciam as políticas japonesa e europeia de promoção dum dólar forte como contrárias aos interesses europeus e nipónicos, já vão surgindo chamadas de atenção para a necessidade de redefinição das políticas regionais, a ponto de até já o presidente da CE, Jean-Claude Juncker, ter feito referência à necessidade da UE rever a relação prática com a Rússia e não permitir aos EUA que ditem essa política.

Assim o crescente distanciamento entre os EUA e o resto do mundo, quer ao nível económico como político, deverá minimizar os efeitos da onda de choque da próxima crise, mas até lá muito continuará ainda dependente do eixo financeiro New York-Londres e duma UE que tarda em assumir uma postura esclarecida.

É esperar e ver...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

MR. TAMBOURINE MAN

Quando em Maio deste ano recorri a um poema de Bob Dylan (o famoso THE TIMES THEY ARE A-CHANGIN') para ilustrar o desespero com que muito boa gente observa o quotidiano, estava longe de voltar a este emblemático poeta cantor norte-americano e ainda de o fazer por termos hoje sabido que o «Nobel da Literatura vai para Bob Dylan».


Embora a primeira área de eleição tenha sido a do Pop/Rock, este descendente de judeus russos (de seu nome verdadeiro Robert Allen Zimmerman) acabou por se notabilizar na área do Folk e do Blues (por assumida influência de Woody Guthrie), mas muito em especial pela temática das suas letras, que o levaram desde a canção de protesto – período onde se destacam Blowin' in the Wind e The Times They are A-Changin' que estão entre as canções consideradas verdadeiros hinos dos movimentos contra a guerra e pelos direitos civis – até visões mais pessoais e introspectivas.

Podemos aplaudir a escolha ou partilhar da ideia que «Bob Dylan não merecia» esta distinção, mas facto inegável é que marcou o panorama mundial da música e influnciou outros músicos, como os Creedence Clearwater Revival, Beatles, David Crosby, Stephen Stills, Graham Nash, Neil Young, Paul Simon, Tom Waits, Elvis Costello, Bruce Springsteen, Tom Petty, Ben Harper, Eric Clapton, Nick Drake, Tracy Chapman, U2... e tantos outros que o venham a ouvir com a atenção que ninguém pode negar que merece.

domingo, 9 de outubro de 2016

O MUNDO FALIDO

A publicação pelo FMI do seu boletim semestral “Fiscal Monitor” trouxe na semana que terminou a assinalável “novidade” de que a «Dívida privada vale 100 biliões de dólares no mundo».

Segundo os cálculos apresentados pelo FMI o valor para a dívida não financeira mundial (ou seja o valor devido pelos estados, as empresas e as famílias) ascenderá a 152 biliões de dólares, qualquer coisa como 225% do PIB mundial, dois terços dos quais (os tais 100 biliões) serão dívidas das empresas e famílias e o restante dívida pública. Daqui se infere que o agregado empresas e famílias representará mais de 140% do PIB mundial, enquanto os estados representarão pouco mais de metade daquela percentagem, o que ainda assim não deixa de constituir, no entendimento do FMI, um risco acrescido para a redução do processo de endividamento global.

Recordando a recente prática de conversão de “nacionalização” da dívida privada (o processo de saneamento financeiro e consolidação no sector bancário não tem sido outra coisa que uma privatização dos lucros a par de uma nacionalização dos prejuízos), entende-se o porquê da acrescida preocupação dos técnicos do FMI, em especial quando constatam que nas economias ocidentais (mercados do dólar e do euro) o peso da dívida pública ronda os 160% do PIB.


O que custa mais a entender é que as contas do FMI não acertam com as do IIF (Instituto da Finança Internacional) para quem a «Dívida global vale mais de três vezes a economia mundial», pois ao estimar a dívida global em 216 biliões de dólares, mais de 320% do PIB mundial, eleva para 162 biliões de dólares a dívida das empresas e famílias e estima em 54 biliões a das entidades financeiras, número que apresentado sem grandes explicações adicionais me deixa enormes dúvidas sobre a sua real dimensão, quando é sabido que as maiores instituições financeiras (as tais que se arrogam de “too big to fail”) têm mantido a prática de operações OTC (“over the counter”, ou seja sem registo em qualquer entidade externa às contrapartes) e fora do balanço (só são contabilizadas na data de maturidade) que são precisamente as que originam maior alavancagem ao negócio e onde os níveis de risco não conhecem limites.

Desconhecendo-se estes valores é possível admitir que o actual problema do Deutsche Bank não passe duma brincadeira de crianças ou o colapso do Lehman Brothers não tenha passado duma tempestade de Verão face ao tsunami financeiro que ninguém pode garantir não venha a ocorrer, enquanto for permitida esta opacidade no mundo financeiro.

É igualmente digno de nota que os grandes especialistas teçam comentários sobre o assunto do tipo dos ouvidos a Vítor Gaspar, director do Departamento de Assuntos Orçamentais do FMI e ex-ministro das Finanças português, para quem a «Dívida privada excessiva é um 'actor ruim'» e que embora reconheça que a crise financeira de 2008 se ficou a dever à tal transformação da dívida tóxica privada em dívida pública (que continua a ser a solução preconizada pelo FMI) e refira a necessidade duma “desalavancagem inteligente” da dívida, nada adianta sobre tal estratégia nem parece preocupado com os tais biliões de dólares por contabilizar. Bem mais curiosa foi a reacção de Manuela Ferreira Leite (também ela ex-ministra das Finanças) quando se afirmou "perplexa"com o estudo 'inconsequente' do FMI, por, espanto dos espantos, assim parecer que o mundo está para falir...

terça-feira, 4 de outubro de 2016

O BANCO QUE NÃO PREOCUPAVA

Não terá havido quem não se recordasse dumas declarações de Wolfgang Schauble, o ministro alemão das finanças, quando em finais de Junho repetiu o que dissera no início de Fevereiro, quando afirmou «“Não estou preocupado com o Deutsche Bank”», para logo acrescentar que estava era preocupado com Portugal... depois de se saber que «Deutsche Bank e Santander falham testes de ‘stress’ norte-americanos».e quando se avolumavam as notícias sobre “problemas” na banca europeia. E não eram apenas «Um enorme "Monte dei" problemas» (numa alusão à delicada situação do centenário banco italiano, Monte dei Paschi de Siena), como se confirmaria quando as autoridades norte-americanas anunciaram que fora o «Deutsche Bank condenado a multa recorde de 14 mil milhões de dólares», pela sua participação na crise do subprime, em 2008.

Esta, aliás, não é uma situação inédita para o banco alemão (nem para a generalidade dos grandes bancos, os tais que se dizem “too big to fail”...), pois já em 2015 fora o «Deutsche Bank multado em 2,5 mil milhões por manipular taxas Libor»; nada de novo, pois, salvo a desproporção entre a multa anunciada e a que foi recentemente acordada com o Goldman Sachs, apenas 550 milhões de dólares... Esta crença no favorecimento dos grandes bancos já levou até que o «Goldman Sachs estima que Deutsche Bank pague coima até 7,2 mil milhões de euros», cerca de metade do “acordado” com o Bank of America, que pagou 16 mil milhões de dólares.


Ainda esta nova contrariedade não tinha sido conhecida e já no final do primeiro semestre se soube que os «Lucros do Deutsche Bank caem 98% para 20 milhões de euros», depois de um ano antes ter registado prejuízos recorde de €6,2 mil milhões, facto que obviamente reforçou uma imagem onde o «Deutsche Bank assusta com "alertas já indisfarçáveis"». Tão indisfarçáveis que na própria Alemanha surgiram notícias que, ao contrário do Sr. Schauble, estaria o «SPD preocupado com o Deutsche Bank» (o SPD é o parceiro de governo da Srª. Merkel) e que haveria «Deputados alemães relutantes em pôr dinheiro dos contribuintes para salvar o Deutsche Bank», declarações que terão levado ao anúncio oficial que a «Alemanha não vai resgatar Deutsche Bank»!

Tonitruante, é certo, mas quase seguramente com o mesmo valor doutras declarações do mesmo jaez, tanto mais que se a situação do Deutsche Bank é delicada e, após «Derrota histórica de Merkel em Berlim», a posição política da Srª Merkel está cada vez mais fragilizada, não é menos verdade que a economia alemã não absorverá com facilidade um “buraco” daquela dimensão e pior... cada vez se faz sentir mais o efeito das taxas negativas sobre as caixas económicas alemãs (sparkasse) que são instituições clássicas de poupança.

Não nos espantemos se depois dos contribuintes da Europa do Sul terem sido chamados a resgatar a banca francesa e alemã, venhamos a ser todos convocados para salvar a Alemanha... aquela orgulhosa Alemanha que aconselhou os gregos a venderem as suas ilhas para pagarem as dívidas!