quarta-feira, 27 de maio de 2015

A CULPA, SEGUNDO CÉSAR DAS NEVES

Pela pena do Prof. César das Neves (e pelas páginas do DN) ficámos a saber que «…a nossa economia está saudável e até tem recuperado bem do terrível choque da crise. O que estraga tudo é o parasitismo do vasto sector GES» ou seja, «…os mortos-vivos, alimentados artificialmente por rolamentos de dinheiros que encobrem inanidade produtiva».

Tivessem já ocorrido as próximas eleições legislativas e o duo Passos Coelho/Paulo Portas tivesse sido varrido para os confins do olvido e o ilustre Prof teria concluído a sua análise com um remissor “voltem! estão perdoados!”, pois a ausência de crescimento económico e a manutenção das elevadas taxas de desemprego não mais serão imputadas à famigerada política da “austeridade-expansionista”.

É claro que a desresponsabilização política inerente à análise que produziu em «O sector GES» não é estranha ao período pré-eleitoral que atravessamos nem ao afã de escamotear o completo fracasso da estratégia austeritária, mas insere-se perfeitamente no aviso que a deputada e membro da Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES, Mariana Mortágua, deixou no encerramento daquele processo: «"O maior erro é achar que isto é culpa do Ricardo Salgado"».



E a enormidade do erro não se resume à desculpabilização que os demais responsáveis políticos e económicos não deixarão de ensaiar, antes ao medonho risco de voltarmos a ver repetidos os mesmos erros.

terça-feira, 26 de maio de 2015

O ENGANO DAS TAXAS

Na semana que terminou com a realização na prazerosa e romântica Sintra duma cimeira dos bancos centrais, foi notícia que «Portugal emitiu dívida com taxa negativa». Tanto bastou para ouvirmos as habituais loas e demais declarações dos costumeiros políticos e comentadores, quase todos esquecendo de referir que se tratava duma emissão de Bilhetes de Tesouro (dívida a muito curto prazo) na qual «Portugal paga taxa negativa para se financiar a seis meses».

Os mais atentos, ter-se-ão questionado sobre a razão pela qual as principais agências de rating (Fitch, Moody´s e a Standard&Poor’s) manterão ainda a classificação “lixo” para a dívida pública portuguesa; se afinal os investidores até aceitam pagar para comprar BT´s e, como asseguram alguns comentadores, a situação do país é francamente melhor, será como afirmou Passos Coelho que as «Agências esperam pelas eleições para subir "rating"»? ou pelo contrário a sua apreciação é a mais adequada?


Na realidade o movimento de descida das taxas de juro das dívidas denominadas em euros tem mais a ver com uma situação de excesso de liquidez (a prova é que a descida se verifica apenas nos prazos muito curtos) que com a melhoria dos indicadores económicos ou a convicção dos investidores sobre a segurança das suas aplicações. Para este aumento de liquidez têm contribuído dois factores: o aumento da injecção monetária pelo BCE e a eficácia das políticas de austeridade na concentração da riqueza em sectores cada vez mais reduzidos da economia.

Talvez desta vez quem esteja a revelar melhor capacidade de análise sejam as agências de rating (tanto mais que no caso português a situação de endividamento e o rácio dívida/PIB continuam a degradar-se, como se infere da afirmação que estará a «DBRS à espera da redução da dívida para subir "rating" a Portugal») e tudo não passe duma situação conjuntural onde se juntam taxas de inflação negativas com descida de preços de activos como o petróleo (indicador seguro de quebra na produção) a par com situações geopolíticas de elevada volatilidade (Ucrânia e Médio Oriente).

Certo é que a mais errada de todas as interpretações foi a de Passos Coelho, pois não será a continuidade ou a alternância de governo que alterará a apreciação nem a situação duma economia empobrecida à força, com os seus principais activos vendidos a preço de saldo, há muito órfã de qualquer estratégia de desenvolvimento e na qual o principal motor continua a ser o sector dos serviços.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

LAR... PARA QUEM?

Não foi surpresa ler na imprensa nacional que invocando medidas de segurança, o novo governo israelita decidiu implementar um projecto-piloto (diz-se que com uma duração de três meses) que determina os «Palestinianos impedidos de circularem nos autocarros com israelitas».

Bastará reler o “post” «LAR QUÊ?», que recentemente editei sobre a formação daquele governo, para perceber que estariam prestes a ruir os restos de prurido entre os dirigentes daquele que é o último regime de “apartheid”. Israel e os sucessivos governos, que tanto gostam de se proclamar como a única democracia do Médio Oriente, estão afinal entre o que de mais abjecto e inumano existe na região e no Mundo.

Não bastando o tratamento de autêntico gueto a que condenaram a população palestiniana da Faixa de Gaza, as constantes humilhações que praticam sobre os palestinianos da Cisjordânia ao abrigo da política dos colonatos, eis que decidiram agora que a mão-de-obra palestiniana de que não prescindem passe à situação de subespécie humana.


Não contentes com o enxovalho diário infligido nos postos de controlo aos milhares de palestinianos que vão diariamente trabalhar em território ilegalmente ocupado, eis que os dirigentes do povo-eleito decidiram agora apoiar as pretensões dos colonos judaicos e ampliar esse fosso, de tal modo se propuseram fazê-lo que nem durante o período da segregação racial nos EUA, quando os negros apenas podiam viajar na traseira dos autocarros, alguma vez foi tentado impedir a partilha dos transportes públicos em que no final do dia são aqueles trabalhadores devolvidos aos tugúrios onde os deixam sobreviver.

A revolta perante tal decisão nem sequer esmorece com a informação de que poucas horas depois o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou a suspensão da medida… aberto mais um precedente, outros se seguirão!

quinta-feira, 14 de maio de 2015

NOTA PARA OS MAIS DISTRAÍDOS

Nota para os mais distraídos: 2015 é um ano eleitoral para Portugal e vários países da UE.


Para quem ainda não se tenha apercebido dum certo clima eleitoral nas notícias e nos discursos dos principais líderes políticos, bastaria saber que o vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo Euro e ex-primeiro-ministro da Letónia, Valdis Dombrovskis, disse que «Bruxelas vê "certo espaço" para Portugal começar a levantar medidas de austeridade» para perceber que estará em jogo algo muito importante… tão importante que justifica a mobilização de todos para o debate que os poderes instalados quererão limitar às habituais tricas e fait divers com que escondem a verdadeira dimensão dos problemas.

Repetindo o recurso a uma vasta gama de truques de malabarismo, tudo farão para voltar a iludir os eleitores, como saber que «Passos compara governação a processo de cura com efeitos secundários» esquecendo de referir que estes podem ser fatais.

terça-feira, 12 de maio de 2015

REINO (DES)UNIDO

A notícia sensação da passada semana foi a grande vitória dos conservadores nas eleições britânicas e o enorme fracasso das previsões que deram até à última da hora um empate técnico entre conservadores e trabalhistas.

Confirmadas as sondagens à boca das urnas que davam os «Conservadores com maioria absoluta no Reino Unido» e as subidas do SNP (partido nacional escocês que elegeu 56 dos possíveis 59 deputados) e do UKIP (partido xenófobo que, devido às características dum sistema eleitoral que integra círculos uninominais e sem distribuição proporcional de mandatos, apenas elegeu um deputado mas obteve mais de 4 milhões de votos), bem se pode dizer que o novo governo de David Cameron vai viver espartilhado entre dois nacionalismos: o escocês, de vertente independentista mas europeísta e o inglês de marcado pendor xenófobo e anti-europeu.


Com a já antecipada viragem à direita do Partido Conservador (vista como resposta às subidas eleitorais do UKIP e confirmada com a notícia que o «Reino Unido já vetou plano de quotas de refugiados na UE» e com o anúncio de que «Cameron quer referendo sobre saída da UE em 2016»), tudo parece conjugar-se para um redesenho do mapa europeu, sem que tal represente significativa melhoria.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

CONTINUAMOS A OUVIR MENTIRAS…

Que o recurso às mais elaboradas técnicas de marketing há muito entrou no dia-a-dia dos acontecimentos políticos, já pouco gente duvidará.

Parece igualmente eliminada a dúvida de que nas últimas eleições legislativas o eleitorado nacional foi conduzido a escolher quem nunca tencionou cumprir qualquer das promessas públicas, já que as privadas terão sido asseguradas a um círculo restrito de escolhidos e só as fomos conhecendo à medida das necessidades.

Ainda assim, será natural que a mentira e o embuste estejam de tal maneira enraizados que no último debate parlamentar o primeiro-ministro tenha afirmado que o seu governo criou 130 mil empregos, no mesmo dia em que o INE anunciava que o «Desemprego sobe para 13,7% no primeiro trimestre» do ano?

Claro que logo houve quem lembrasse que se «Passos diz que criou 130 mil mas há menos 29 mil empregos desde 2013», realidade que a população sente de forma directa e dolorosa, a ponto de haver quem humorize sobre as reais capacidades do Governo.


O julgamento político desta plêiade de incompetentes e mentirosos aproxima-se, mas que o personagem continue a mentir com a mesma desfaçatez, isso carece de análise e diagnósticos doutro foro...

quinta-feira, 7 de maio de 2015

LAR QUÊ?

No dia em que decorrem umas disputadas eleições no Reino Unido chegam finalmente de Israel notícias de que «Netanyahu consegue apoio de última hora para formar governo», no quadro parlamentar resultante das eleições que tiveram lugar em meados de Maio.

Confirmando as dificuldades na constituição dum acordo para formação do governo, foi preciso uma extensão do prazo para alcançar um acordo com o partido ultra-nacionalista Bait Yehudi (Lar Judaico) que permitirá a Benjamin Netanyahu uma maioria parlamentar frágil (61 dos 120 votos no Knesset) e, quiçá, politicamente suicida.

Fracassado o acordo com o também ultra-nacionalista Avigdor Lieberman (ministro dos Negócios Estrangeiros do anterior governo e líder do Yisrael Beitenu), Netanyahu ficou obrigado a aceitar as imposições de Naftali Bennett (líder do Bait Yehudi) ou ver-se desapossado do cargo de primeiro-ministro. Talvez o orgulho pessoal, ou a mera necessidade, tenham falado mais alto, mas o facto é que Israel passará a ter um governo permanentemente refém das exigências e dum partido ultra-nacionalista defensor de mais anexações territoriais na Cisjordânia e da construção de mais colonatos, opções que contrárias às defendidas pelos EUA e a UE.


O futuro governo israelita não entregará apenas a pasta da Justiça a Naftali Bennett – opção particularmente polémica depois dos recentes acontecimentos que levaram a comunidade de origem etíope a manifestar-se contra o tratamento racista de que tem sido alvo e a imprensa a relatar a situação dizendo que a «"Panela de pressão explodiu" entre os próprios israelitas» mas, ao que tudo o indica, terá hipotecado todo o seu futuro relacionamento com a comunidade internacional, para não falar na pronta reacção palestiniana que já classificou o governo que sairá do acordo como contrário à paz.

Mesmo esquecendo a eterna questão palestiniana, parece cada vez mais oportuna a interrogação que todos os israelitas deveriam formular em voz alta: lar quê?

quarta-feira, 6 de maio de 2015

REVOLTAS

Desde o agudizar da Crise Global que houve quem lembrasse as semelhanças com a Grande Depressão (crise que se arrastou de 1929 até ao deflagrar da II Guerra Mundial e que ficou celebrizada na história norte-americana pelos exércitos de desempregados que vagueavam em busca de trabalho) e o seu caudal de misérias humanas.

O mesmo parece agora repetir-se com o reacendimento da questão racial nos EUA e o aumento da xenofobia na Europa. Os acontecimentos que conduziram aos motins de Ferguson e Baltimore, o drama e a cínica falta de medidas concretas para resolver a questão dos migrantes no Mediterrâneo e até o teor da campanha eleitoral inglesa (onde o partido nacionalista e xenófobo, UKIP, parece pesar cada vez mais e onde se especula que a «Escócia pode ditar futuro Governo no Reino Unido») que hoje se encerrou, são faces do mesmo problema: um acumular de factores e situações que, numa sociedade desprovida de coesão, tarde ou cedo deflagram em algo mais violento.



A grande maioria das causas estão perfeitamente identificadas dum lado e do outro do Atlântico, mas ao que tudo indica isso ainda não afecta a oligarquia instalada.