quinta-feira, 30 de maio de 2013

DA POLÍTICA COMO ARMA DE INSULTO

Homem de pluma consistente, Vasco Graça Moura brinda-nos semanalmente nas páginas do DN com crónicas de leitura proveitosa. Na última, intitulada «Do insulto como arma política», reflecte sobre a situação do país que não tem dúvida em resumir como «…caixa de ressonância de uma guincharia descabelada», englobando quer as vozes anónimas que proclamam «…opiniões supostamente idóneas para salvar o país…» quer o que designa por «…comentadoria política…».

Diga-se em abono da verdade que o que parece indigná-lo mais nem é o insulto, antes a vozeria da populaça, a agitação que a acompanha e o desgaste sobre os titulares do poder que acarinha, razão pela qual nem se estranha o cuidado que põe na referência ao episódio protagonizado por Miguel Sousa Tavares, a quem nem sequer esquece de louvar a urbanidade revelada na pronta desculpa, posição bem distante da de Pedro Tadeu (leia-se a sua crónica «Cavaco e Sousa Tavares» que apenas pecará por ter esquecido o episódio do “Sr Silva”[1] como demonstração de que Cavaco não se esforça por se fazer respeitar a si próprio, quanto mais ao cargo que ocupa) e completamente divorciada de larga maioria da população, hoje expressa ao I por de Vasco Lourenço quando afirma «Penso muito pior do Presidente do que aquilo que disse o Sousa Tavares».


Da leitura facilmente ressalta a sua habitual verve contra as famílias políticas que se oponham à sua, (o que ao logo do tempo o tem feito alternar entre a posição de feroz defensor do poder, como agora sucede, com a de seu acirrado crítico), de momento reduzidas à vozeria que promove uma «…opacidade progressiva do diálogo…».

Não se estranha a intenção de Vasco Graça Moura ao traçar um quadro de generalização do insulto nem os malefícios que isso poderá trazer à sua família política; estranha-se sim que tão activo na denúncia, nela não inclua os evidentes malefícios da opacidade dum governo claramente impreparado e comprovadamente incompetente, tudo isto numa circunstância que o próprio define como «…caracterizada pelo acumular de dificuldades e de imprevistos, dentro e fora do país, seria necessário adoptar-se outra atitude que, sem deixar de discutir em profundidade os problemas e as suas possíveis soluções, permitisse à grande maioria dos cidadãos um entendimento mais claro daquilo que se passa e daquilo que se pode fazer».

É que se a sensibilidade de Vasco Graça Moura é ferida pela tal guincharia, muitos são os que abominam o discurso dogmático da “inexistência de alternativas” dos que, como ele, praticam a política como arma de insulto da inteligência colectiva dum povo.



[1] Apodo usado por Alberto João Jardim para se referir a Cavaco Silva a propósito dum artigo de opinião em que este recorreu à imagem económica da “boa moeda” e da “má moeda” para criticar o governo de Santana Lopes, afronta que o mesmo Cavaco Silva convenientemente esqueceu quando, na Região da Madeira, em campanha eleitoral para a sua primeira eleição presidencial se deixou acompanhar e fotografar com Alberto João Jardim.

terça-feira, 28 de maio de 2013

ARMAS PARA A SÍRIA

São incontáveis as vezes que tenho referido a mais elementar falta de competência dos líderes europeus no processo de tomada de decisão. Actualmente e a pretexto da tantas vezes louvada estratégia dos “pequenos passos”, as lideranças europeias optam invariavelmente por adiar todas as medidas de fundo para a cimeira seguinte, talvez na expectativa que o tempo resolva o problema que eles se recusam a enfrentar.

A cimeira europeia da passada semana foi disso prova evidente quando novamente adiou as decisões sobre um proposta de combate à fraude e evasão fiscal e esta semana voltámos a ter novo exemplo a propósito da questão do levantamento do embargo da venda de armas à oposição Síria. Divididos entre a posição franco-britânica que há muito pretende ver abolido o embargo (opção para a qual pesará seguramente o interesse do sector produtor de armamento), a representada pelo duo Holanda e Áustria que receiam o agravamento do conflito e os que hesitam entre as duas, a UE voltou a revelar o pior de si própria quando através duma demissionária ausência de decisão deixou expirar o prazo do actual embargo.


Entre as razões para a divisão europeia conta-se além dos interesses dos sectores nacionais de fabricação de armamento o receio de que o armamento possa vir a ser utilizado por grupos muçulmanos fundamentalistas, à imagem e semelhança do ocorrido na Líbia, que mais tarde venham a colocar em risco interesses ocidentais na região.


Receios que não obstaram à decisão, amenizada talvez com o mero fito de conter as reacções dos tradicionais apoiantes do presidente Bashar Al-Assad – exemplificada na notícia de que a «Rússia condena decisão da UE de levantar embargo de armas aos rebeldes sírios» – e a pretexto de não prejudicar a Conferência Internacional sobre a Síria prometida por Ban Ki-moon, os responsáveis pela diplomacia da UE decidiram, numa clara reafirmação da sua própria fraqueza, manter as sanções de natureza financeira em vigor e adiar para Agosto o efectivo abandono do embargo à venda de armamento, que levou o representante português, Paulo Portas, a dizer que a «Decisão “politicamente desajeitada” prova que a UE “desiste de uma posição” sobre a Síria» e a própria oposição síria comenta dizendo que «Fim do embargo da UE sobre armas é insuficiente».

sábado, 25 de maio de 2013

LEITURAS

Ainda que há muito presente na agenda político-económica e no quotidiano dos cidadãos, a mais recente cimeira europeia voltou a encontrar no seu centro o sistema financeiro e os múltiplos problemas que tem originado.


A pretexto duma iniciativa para o combate à fraude e à evasão fiscal que mais uma vez se ficou por isso mesmo, terá sido afinal a práxis e a complicada situação do sector financeiro a estar no cerne da discussão, ou não fosse este o seu principal intérprete (afinal são as instituições financeiras as grandes promotoras das transferências e do negócio de arbitragem fiscal) e maior beneficiário (por via das comissões de aconselhamento e assessoria cobradas). 

A par com com os bancos têm-se destacado as empresas especialistas em optimização fiscal (eufemismo para referir o recurso a sofisticados subterfúgios legais que invariavelmente inclui a multiplicação de empresas fictícias sediadas nos paraísos fiscais e a sua utilização em cascata), cuja actuação decorre sempre no exclusivo interesse dos seus clientes e na mais estrita legalidade, hipocrisia que em nada destoa da revelada pelo Reino Unido quando nas vésperas da Cimeira fez constar para a imprensa que o seu chefe de governo, o conservador David Cameron, iria apelar aos restantes líderes europeus que apoiem a troca de informações entre os países em matéria fiscal, como se não fosse na sua sacrossanta City que têm origem a maioria das estratégias colocadas à disposição das grandes empresas e dos seus donos, para concretizarem os “negócios” que a ONG OXFAM estimou na ordem dos 14 mil milhões de euros, nem no seu território se situasse um dos mais importantes paraísos fiscais (Jersey) segundo outra ONG, a Tax Justice Network (Rede para a Justiça Fiscal).

Estas empresas de assessoria fiscal (as principais são as bem conhecidas Deloitte, PricewaterhouseCoopers, KPMG e Ernst & Young) e uma teia de paraísos fiscais têm assegurado que as multinacionais consigam pagar impostos irrisórios.


Ao contrário, nas palavras de Walter Wüllenweber – cujo artigo intitulado «Os reis da fuga» foi publicado na revista alemã STERN e no COURRIER INTERNATIONAL – os «Trabalhadores e consumidores não têm como fugir e são obrigados a pagar. A percentagem de impostos sobre os salários, o IVA e os impostos sobre os consumos de energia na receita do Ministério das Finanças quase duplicou desde 1960. No mesmo período a percentagem de imposto sobre os lucros caiu quase três quartos, equiparando-se ao montante de imposto cobrado sobre o tabaco».

Esta é apenas mais uma faceta das intrincadas relações entre o poder financeiro e o político que nos últimos anos têm servido invariavelmente para destruir o bem-estar da esmagadora maioria dos contribuintes e que desde meados de Março último (com o despoletar do resgate europeu ao Chipre e a polémica decisão de “cortar” todos os depósitos bancários daquela praça) é regularmente utilizado como parte do discurso de terror com o qual se visa “domesticar” os cidadãos.

O sistema financeiro europeu, como os congéneres das restantes regiões económicas, continuam a atravessar dificuldades constantes, fruto ainda do seu grau de exposição aos produtos derivados mais ou menos tóxicos que mercadejam entre si, pelo que qualquer outra perturbação, por mais pequena que seja, acaba invariavelmente por adquirir proporções preocupantes. Sem terem ainda logrado o regresso a um clima de confiança e de liquidez “inter pares”, como o que registavam antes da eclosão da crise do “subprime”, muitos dos bancos vivem em permanente risco de pane por escassez de capitais e da correspondente liquidez, facto que é persistentemente negado pelos responsáveis empresariais e políticos mas continuamente confirmado pelas pequenas notícias financeiras da imprensa económica.

Exemplo disso mesmo pode ler-se na imprensa nacional quando na sequência do encontro ente Vítor Gaspar e Wolfgang Schäuble foi informado que «Banco estatal alemão vai apoiar empresas portuguesas», numa clara resposta à constante reclamação de empresários e associações empresariais contra a escassez de crédito. 

Lida assim a notícia até se poderia aplaudir, quiçá classificá-la entre as iniciativas positivas para o relançamento económico; porém, leitura mais atenta pode resultar diferente, tanto mais que pouco tardou para que do sector empresarial se fizesse ouvir que «Crédito alemão nas PME é "bom" se for "verdade"», comentário que na prática significa que será bem-vindo se for mais barato… Considerando que este problema se prende não com os “bonitos olhos” dos empresários nacionais, mas sim com a desequilibrada situação económico-financeira das suas PME, desequilíbrio que só não constituiu óbice no período em que o refinanciamento bancário era fácil (a disponibilidade de capitais, nomeadamente alemães, era abundante e a ânsia por maiores lucros fazia esquecer o acréscimo evidente do risco) e barato, momento em que aos empresários descapitalizados eram “oferecidos”, em nome dos objectivos e da criação de valor para os accionistas dos bancos, financiamentos desnecessários e sobredimensionados.

Não menos preocupante é outra leitura da notícia, pressagiando a entrega ao banco público de fomento alemão KfW (Kreditanstalt fur Wiederaufbau, que significa Instituto de Crédito para a Reconstrução) dum poder de decisão sobre a economia nacional que se recusa ao banco público português; no limite esta opção pode configurar a resolução da sempre adiada questão da criação dum banco nacional de fomento, pese embora tenha sido noticiado que «Passos anuncia que carta de missão para a CGD se banco de fomento vai seguir em breve», facto que por si só e até completo conhecimento da decisão não altera o raciocínio. Com a externalização do centro de decisão financeiro do país para Bruxelas ou Berlim, a hipótese, mesmo que remota e refutada, de idêntico procedimento relativamente aos critérios da concessão de crédito não augura nada de bom salvo, talvez, uma melhoria num “ranking” de duvidosa qualidade onde se assegura que «Portugal está no top 5 europeu na compra de BMW, Mercedes e Audi»…

quarta-feira, 22 de maio de 2013

TEMPUS FUGIT


A fragilidade e a tibieza das elites dirigentes estão a converter-se numa realidade cada vez mais evidente. Como se não bastasse o triste cenário nacional onde até a sempre colaborante central sindical socialista (UGT) já comenta que o «Conselho de Estado foi “mais uma desilusão”», uma rápida leitura sobre os últimos dados económicos (o relatório de 15 de Maio pode ser lido aqui) publicados pelo EUROSTAT desfaz qualquer dúvida sobre a notícia de que o «Eurostat oficializa mais longa recessão de sempre no euro».

Quando se avizinham eleições na Alemanha e se confirma um cenário com a «França em recessão, Alemanha cresce 0,1%», deixa de se estranhar que de Berlim cheguem ecos de que a «Alemanha junta-se ao coro de críticas contra a austeridade das troikas» ou, pior ainda, de ler que até a chanceler «Merkel acusa Barroso e troika de serem os culpados da austeridade» e bem se pode dizer que tudo será expectável nos meses mais próximos quando a dimensão do distanciamento dos políticos face às medidas que louvaram e impuseram será tanto maior quanto se anteciparem resultados eleitorais desfavoráveis.

É que, como a prática o tem confirmado, balelas do tipo “que se lixem as eleições” só são proferidas à distância e nunca profundamente interiorizadas (veja-se o alívio financeiro já previsto para o ano eleitoral de 2015 no DEO apresentado por Vítor Gaspar, o tal ministro que nem sequer é político) por aqueles a quem, para desdita nossa, confiámos funções de governo e que não passam de péssimos aprendizes de manipuladores laboratoriais.


O permanente ziguezaguear ao sabor das circunstâncias e uma quase completa ausência de convicções (que não as dos interesses que os fizeram eleger) têm pautado não só a orientação nacional como a comunitária, enquanto se multiplicam os sinais de desagregação, sejam eles originados nas movimentações populares que aos «Milhares protestam contra políticas de austeridade», nas declarações do presidente do Bundesbank quando assegura que «Medidas do BCE contra a crise são erróneas», nas proclamações pífias do presidente da Comissão Europeia repetindo que é «Urgente acelerar coordenação na UE contra fraude e evasão fiscal», tudo isto perante o avolumar das dúvidas em torno da permanência britânica, apesar da recente notícia que «Empresários britânicos saem em defesa da União Europeia».

Não será pois de estranhar o número crescente de especialistas que vêm a público criticar o modelo adoptado pelos responsáveis da UE para combater uma crise que não pára de alastrar – desde os consagrados Paul Krugman e Joseph Stiglitz (dois laureados com o Prémio Nobel que de modo algum podem ser classificados sob o rótulo de extremistas) até ao mais recente trabalho do “think tank” Bruegel ou a um artigo de Paul De Grauwe defendendo que «Sem mutualização de dívida, Zona Euro caminha para o colapso», todos apontam para a desadequação do fundamentalismo neoliberal que além de já ter mergulhado as economias periféricas da Zona Euro (Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre e Malta) num acentuado processo de recessão económica e de crise social e política, de em nada ter contribuído para ultrapassar a situação em Espanha e na Itália antes sim para o já detectado afundamento das economias holandesa, francesa e alemã – enquanto tardam em ser ouvidos os que persistentemente têm pugnado pela necessidade duma completa inversão da estratégia e defendendo a aplicação de políticas orientadas preferentemente para o crescimento e a criação de emprego, a par com uma profunda alteração no modelo do financiamento público que, no seio dum sistema monetário partilhado, não pode continuar exclusivamente dependente dum sistema financeiro especulativo e descapitalizado.

sábado, 18 de maio de 2013

MILAGRES…


Continuando o registo da política-espectáculo, em vésperas de mais um Conselho de Estado (e da correspondente manifestação popular em Belém) e pouco depois de noticiado que «Eurogrupo fecha sétima avaliação do programa de ajustamento e liberta ajuda», assistimos à verdadeira farsa quando «Cavaco afirma que a sétima avaliação da troika é “inspiração de Nossa Senhora de Fátima”»!


A afirmação pode, obviamente, ser objecto de várias leituras; Cavaco Silva pode ter aproveitado a presença numa cerimónia de entrega de prémios científicos para reafirmar as suas convicções religiosas e afastar qualquer possível ligação ao racionalismo agnóstico, caso em que revelou a mais absoluta falta de tacto e até de respeito por quem o terá convidado, pode em alternativa ter ensaiado uma “graçola” ao estilo americano, caso de todo em todo pouco provável conhecida que é a sua postura de seriedade e rigor e evidente a sua completa desadequação ao desempenho de comediante, ou acredita piamente naquilo que disse, que é das três alternativas a mais óbvia e, claramente, a pior de todas.

As convicções religiosas do casal presidencial (a confirmar-se que a inspiração veio de Maria Cavaco Silva) pertencem ao seu foro pessoal e devem ser respeitadas desde que nele permaneçam, mas produzir uma afirmação daquelas é tanto mais inconveniente quanto, a propósito da situação política nacional, o mesmo Cavaco lembrou circunspectamente que «“É preciso evitar exposições públicas de divergências” na coligação».

Por fim, se um acontecimento tão previsível quanto a conclusão favorável do processo de avaliação da “troika” (quem de bom senso esperará que os “juízes” não julguem favoravelmente em causa própria) mereceu este tipo de comentário presidencial, que dirá o mesmo Cavaco quando, concluído o PAEF, se ensaiar com sucesso uma verdadeira emissão de dívida? Será que quando o IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) lograr realizar um verdadeiro leilão participado – no lugar de mais uma farsa que foi apresentar uma operação sindicada, como a recentemente organizada por um conjunto de seis bancos mandatados para vender a dívida a um número restrito de “interessados” e a preço irresistível, agravada ainda pelo tacto de Vítor Gaspar nem sequer se ter coibido de afirmar que a «Emissão de dívida foi um “grande sucesso”» – veremos o presidente partir em peregrinação de acção de graças ao Senhor Santo Cristo ou ao Divino Espírito Santo, para não mais regressar?

Não contente com uma referência de resultado e gosto duvidosos que deixa pairar a pertinente questão de sabermos Cavaco Silva mergulhado no mais profundo desespero, lendo no I que «Depois de Fátima, presidente invoca S. Jorge», já nem pairam dúvidas de quando voltará a invocar alguma figura da hagiologia cristã, nem de que este evidente pendor presidencial para o misticismo merece análise profunda e abalizada doutros que reúnam maiores conhecimentos que os meus. Ainda assim, sempre me atrevo a lembrar (ou, porque não, a lançar mais achas para a fogueira) que a última referência pode pressagiar alguma até agora oculta tendência sincrética de Cavaco Silva, pois a figura de São Jorge além de transversal a igrejas como a católica, a ortodoxa e a anglicana é ainda figura maior do culto umbanda (de origem afro-brasileira), sob o nome de Ogum.

Reconfirmada a total inépcia e desadequação de Cavaco Silva para a função que desempenha e agora que até já circulam notícias de que a «Alemanha junta-se ao coro de críticas contra a austeridade das troikas», a que ponto poderá esta sua nova e perturbante faceta acarretar mais dissabores e vexames a somar à penúria e vergonha a que nos condenaram os seus apaniguados?

Observada a questão à luz crua do racionalismo, esta recém-descoberta veia mística poderá revelar afinal uma mera tentativa para esconder as tendências que por essa Europa eclodem contra os interesses da minoria que tem manobrado a crise em proveito próprio; críticas e denúncias que são cada vez mais frequentes e começam já a surgir de sectores cada vez mais próximos dos poderes estabelecidos, como recentemente aconteceu com um relatório publicado pelo “think tank” europeu Bruegel onde é analisada a actuação das “troikas” na Grécia, Irlanda e Portugal e cujas conclusões, não sendo demolidoras também não são propriamente favoráveis.

Embora para uma larga percentagem de europeus os ventos de mudança – como os prenunciados pelas mais recentes posições alemãs, com a notícia de que até já a chanceler «Merkel acusa Barroso e troika de serem os culpados da austeridade», ou o recente redireccionamento da política francesa onde «Hollande defende criação de governo permanente e dívida comum para a Zona Euro» – possam chegar demasiado tarde, pode começar a questionar-se a quem restará a fé como recurso salvador: aos milhões que têm vindo a sofrer os horrores das políticas recessivas ou aos muito poucos que mais que tudo receiam perder um pouco do muito que têm vindo a acumular.

terça-feira, 14 de maio de 2013

EXCEPCIONALMENTE...


Há muito que a política nacional deixou de poder contar com o efeito surpresa; tantas têm sido as trapalhadas e as “habilidades” que nada já espantará o cidadão minimamente informado. Se não fosse a gravidade da situação que o país atravessa, o último “flip flap” à retaguarda do líder do CDS nem deveria merecer qualquer referência, pois insere-se na continuidade do género da política espectáculo tão do agrado dos políticos actuais e dos interesses que os sustentam.


Assim é que depois do drama (género de representação de carácter não cómico, que se apresenta compatível com a vida real) de que foi revestida a última comunicação de Passos Coelho e em especial o anúncio da intenção de redução das actuais reformas, se seguiu a encenação da tragédia (forma particular de drama caracterizado pela seriedade e dignidade, envolvendo um conflito com algum poder de instância superior) protagonizada pelo conjunto da oposição a par com o melodrama (que, recorde-se, se caracteriza por ser um tipo de espectáculo onde mediante efeitos fáceis se procura induzir a plateia ao choro ou ao suspense, com um sentimentalismo exagerado) servilmente ensaiado pelo PSD e o silêncio do parceiro de coligação.

O CDS viria daí a dois dias a apresentar o seu espectáculo através do monólogo representado pelo líder, Paulo Portas. Como actor de créditos firmados que é e percorridos que estavam quase todos os géneros teatrais (comédia e farsa à parte, pela manifesta desadequação face à actual situação) restou-lhe o recurso à tragicomédia (subgénero teatral que alterna ou mistura comédia, tragédia, farsa e melodrama), registo onde se revelou tanto mais sofrível quanto, contradito pela notícia de que «Cortes nas reformas confirmados em Bruxelas», assumidos por Passos Coelho e Vítor Gaspar, recorreu a uma desajustada manobra para anunciar que o seu «CDS aceita “excepcionalmente” taxa de sustentabilidade sobre pensões».

Deslizando rapidamente para um registo de comédia (género de espectáculo destinado a fazer rir) e numa desajeitada tentativa de “limpar a face” de Portas têm valido todos os agrumentos e até «Pires de Lima garante que quem cedeu foi a “troika”».

Não bastando já as agitadas águas em que se revolve a nau governativa e agravando um indesejado registo de comédia, até o insuspeito professor «Marcelo diz que "as pessoas já não levam a sério" Passos» e o timorato «Presidente da República convocou o Conselho de Estado para dia 20», com uma ordem de trabalhos pretensamente orientada para o debate do futuro pós “troika”, como se a discussão da realidade actual dele pudesse estar arredada e a crise política que Belém pretende evitar a qualquer custo não estivesse há muito instalada.

Enquanto os responsáveis do CDS se esforçavam a repetir que «Portas aceita TSU sobre pensionistas por falta de alternativas» – o desgastado argumento para justificar o injustificável –, um grupo de cidadãos reunia-se em Lisboa para debater precisamente as alternativas que dizem não existir. Nesta segunda iniciativa do Congresso Democrático das Alternativas (a primeira teve lugar em Outubro do ano passado) além de se reafirmar a ideia da indispensabilidade da renegociação da dívida, apontaram-se vias alternativas para a redução da despesa mediante o corte nas rendas ilegítimas, nos maus investimentos e nos juros da dívida, precisamente os interesses contra os quais o governo PSD/CDS, excepcionalmente, não age.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

UM BRASILEIRO NA OMC


Com a UE mergulhada numa crise fabricada à medida dos interesses hegemónicos do dólar norte-americano e com um número crescente dos seus estados-membros cada vez mais preocupado com a resolução dos seus problemas internos (como se estes pudesse miraculosamente desaparecer em contexto de autarcia e à revelia duma solução integrada para a moeda que partilham) desenvolvem-se os sinais de confronto entre a velha ordem (remanescente do período da guerra-fria e do confronto leste-oeste, representada por organismos, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o FMI e o Banco Mundial, criados no âmbito do Acordo de Bretton Woods) e o embrião duma nova ordem onde obrigatoriamente a China e a Índia terão que ter uma voz activa e, quiçá, determinante.


Nada disto fará esquecer a dureza das políticas que governos europeus fervorosos partidários das virtualidades das políticas de “austeridade expansionista” tentam impor às populações, nem a realidade que estas políticas já não conseguem esconder – a sua verdadeira finalidade não é (nunca foi…) a anunciada, fosse ela o saneamento financeiro ou o relançamento do crescimento por via do aumento da produtividade, mas sim uma desesperada tentativa – que é a de garantir a perpetuação do modelo capitalista de concentração da riqueza nas mãos duma minoria, tanto mais que os sinais que se avolumam no horizonte global continuam um raro tratamento informativo adequado.

Para não regressarmos ao Médio Oriente, palco onde se avolumam as ameaças físicas mais concretas e que ponto de charneira entre um Ocidente em perca de força e de capacidade de afirmação e um Oriente que se agiganta num poder material (mesmo quando ainda não o projecta de forma evidente) e que a imprensa ocidental persiste em vender sob o desgastado rótulo da defesa da democracia e da liberdade (a mais moderada) ou o do combate ao terrorismo e ao jiahdismo islâmico (a mais ortodoxa), proponho hoje uma rápida leitura pelas notícias que anunciaram que o «Brasileiro Roberto Azevedo será novo líder da OMC», dando assim conta do facto de pela primeira na história daquele organismo internacional ver a sua liderança entregue a um não europeu ou norte-americano.

Esta situação já era conhecida há algumas semanas, depois que a corrida ficou reduzida a dois candidatos, o brasileiro Roberto Azevedo e o mexicano Hermínio Blanco; se por um lado parece confirmar a ideia da crescente importância e peso dos chamados BRICS (conjunto de países cujas economias emergentes têm revelado assinaláveis taxas de crescimento e é integrado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não pode deixar de ser encarada com óbvias cautelas, tanto mais que outras “clivagens” – de que é paradigma a eleição do primeiro negro para presidente dos EUA – revelaram que as aparências costumam ser bem mais ilusórias que a realidade.

Em que medida a substituição do francês Pascal Lamy por Azevedo determinará mudanças no funcionamento e operacionalidade da OMC só o tempo o revelará, mas as expectativas deverão ser forçosamente moderadas quando se conhece à partida que o candidato derrotado teve o apoio explícito da UE e dos EUA e quando de pronto a imprensa mais próxima do “establishment” reagiu e chegou ao público que «New York Times e FT fazem pressão sobre brasileiro na OMC».

O diplomata Roberto Azevedo poderá ter as características que o recomendam para o cargo, mas a realidade é que há algum tempo a OMC tem visto o seu papel diminuído e sofre ainda hoje as consequências da sua origem no acordo pós-guerra que originou o GATT e os efeitos do fracasso da última Ronda de Doha, que desde 2001 continua longe de alcançar qualquer resultado prático enquanto persistir o bloqueio europeu e norte-americano (os campeões do livre comércio) à eliminação/redução dos subsídios à sua agricultura. Minada por profundas contradições e perdido o papel de ponta de lança do processo de globalização (durante anos o GATT/OMC foi usado pelos EUA para impedir a entrada da ex-URSS na economia mundial, facto que terá tido a sua importância no desmoronamento da economia soviética) em benefício de organizações financeiras como o FMI e o Banco Mundial, uma OMC sob nova liderança poderia ganhar um novo protagonismo se o seu líder, formado entre outras na Universidade de Chicago, não estivesse há muito “contaminado” pelo modelo de pensamento que predomina no ocidente.

terça-feira, 7 de maio de 2013

O TALENTO DE PORTAS


Se dúvidas houvesse sobre as múltiplas razões para o mal viver geral que alastra pelo País, bastaria ter ouvido as mais recentes intervenções dos dois principais responsáveis políticos pela condução do país, Passos Coelho e Paulo Portas, para cimentar a convicção que contrariamente ao afirmado quando «Passos Coelho garante que “não haverá pântano em Portugal enquanto for primeiro-ministro”» a estabilidade governativa (ou a sua ausência) estará longe de assegurada.

Não bastando já a hecatombe social criada por uma política financista de vistas curtas e menores capacidades para ultrapassar uma crise agravada por um PAEF (Programa de Assistência Económica e Financeira) pretensamente negociado para defesa dos interesses nacionais mas cujas linhas gerais apenas se destinam a assegurar o máximo ganho possível ao conjunto dos credores internacionais do País, à tristeza de vermos actuar um Presidente da República jactantemente incompetente e de o ouvirmos apelar a uma estabilidade que apenas serve os interesses daqueles credores, soma-se agora um espectáculo encenado pelos partidos da coligação governativa, para eleitor ver.

Concomitantemente com o anúncio de mais um pacote de medidas apresentadas como via para a resolução duma crise de contornos nebulosos e duvidosos, mas de seguro efeito na destruição do chamado Modelo Social Europeu e na aniquilação do Estado Social, o primeiro-ministro Passos Coelho não se esqueceu de referir que «várias medidas de austeridade decorrem do talento de Portas», pré anunciando que nem tudo estaria a correr de feição entre os parceiros da coligação.
E a dúvida permaneceu por esclarecer umas meras 48 horas (lembre-se que na questão da TSU a “dúvida” arrastou-se durante uma semana) até que se ouvir que o tonitruante «Portas ataca troika e ameaça: ou cai o imposto sobre as reformas ou o CDS abandona o governo»; da noite para o dia aqueles que sempre defenderam a inevitabilidade e a indispensabilidade de respeitar os desejos dos credores pretendem agora enfileirar entre os que desde a primeira hora têm contestado semelhante opção.

Terá isto acontecido por recém-adquirida convicção ou porque sopram cada vez mais fortes os ventos que daqui e dali da Europa vão afirmando, como foi o caso do ministro francês das finanças, Pierre Moscovici, que «“A era do dogma da austeridade acabou”»?

Ter-se-ão, Paulo Portas e o CDS, transformado nos novos paladinos das soluções alternativas que costumavam rotular liminarmente de inexistentes, ou apenas, como o próprio afirmou no discurso televisionado, que a recém-anunciada medida de novo imposto sobre as reformas constitui uma linha vermelha que não pretende ultrapassar?

Entenderá Portas (e o seu CDS) que depois de ter abdicado do “slogan” de partido dos contribuintes (quando compactuou com uma política de acentuado aumento da carga fiscal), pragmaticamente, não pode abrir mão de se apresentar como o partido dos reformados, sob pena de desagregar definitivamente a sua base eleitoral?

Duma forma ou doutra o que deve ressaltar como realidade é que a verdadeira preocupação dos políticos que actualmente conduzem os destinos do País não é a situação em que este se encontra, antes em que situação eles se encontrarão no próximo ciclo eleitoral.


Com eleições antecipadas ou não, Paulo Portas está apenas a clarificar que não pretende entregar-se sem luta. Assim se algum talento especial este apresenta, para azar nosso, é o da sua inegável capacidade para “cavalgar” as mais variadas ondas…

sábado, 4 de maio de 2013

CORTES E CONSENSOS


Ouvido o anúncio oficial das medidas do mais recente pacote de cortes na despesa pública – medidas que se aguardam desde que há quase um mês o Tribunal Constitucional anunciou o chumbo de parte do OGE para 2013 – além da óbvia conclusão duma total ausência de novidade na sua orientação política, ressalta a habitual insensibilidade social e uma incómoda sensação de “déjà vu” ao ouvir referir medidas como a do aumento do horário de trabalho dos funcionários públicos para as 40 horas semanais, da contribuição dos trabalhadores para a ADSE, a redução da remuneração dos funcionários públicos abrangidos pelo regime da mobilidade especial e o aumento da idade da reforma na função pública.

Até um observador menos atento poderia ser levado a concluir que não haveria necessidade de demorar tanto tempo para anunciar “mais do mesmo”, isto quando até já Manuela «Ferreira Leite diz que “andamos a fazer sacrifícios em nome de nada”». Mesmo descontado o facto da senhora ainda não ter perdoado a derrota que Passos Coelho lhe infligiu no PSD, a sua observação contem muito de realista, tanto mais que se baseia em constatações claras como a de que o recente Documento de Estratégia Orçamental (DEO) contém orientações contraditórias com as medidas de estímulo ao crescimento económico recentemente apresentadas.

O radicalismo ideológico de Passos Coelho, Vítor Gaspar e Paulo Portas (sim porque na realidade Paulo Portas tem apoiado as decisões) não se resume às opções de cortes mais ou menos cegos, manifestando-se numa evidente incapacidade para ouvir até as vozes mais moderadas dos interesses internos que representa.


É assim, surdo aos avisos dos próprios amigos e correlegionários, que Poiares Maduro, o recente ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, pretende que o «Governo tem propostas, mas está aberto à negociação», precisamente quando o FINANCIAL TIMES escrevia que «austeridade polariza cada vez mais o país». O correspondente em Lisboa daquele jornal descreve num artigo (o original pode ser lido aqui) que o Governo português, continuando a defender uma política de rápida consolidação fiscal, planeia estender a austeridade por mais quatro anos através do corte de mais de 6 mil milhões de euros que atingirão o sector público, os pensionistas e reduzirão os benefícios nas áreas da saúde, educação e segurança social, enquanto ignora os apelos europeus contra a austeridade, o sentimento popular interno e até algumas vozes dos partidos da coligação governamental.

Dilapidando a sua própria base interna de sustentação e assumindo-se de forma cada vez mais clara como um mero executor dos interesses dos credores externos (leia-se a finança internacional), o governo de Passos Coelho arrisca-se a um doloroso processo de auto decapitação enquanto arrasta o País em direcção ao abismo garantido dum segundo resgate internacional.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A MAGIA DO REGRESSO AO PASSADO

A notícia de que a «Oposição de centro-direita vence eleições na Islândia» merece atenção, mais que não fosse pelo aparentemente insólito resultado que afastou a coligação de esquerda que conduziu o país no rescaldo da avassaladora crise de 2008.

Depois de ter conseguido o quase milagre do regresso ao crescimento da economia e do retrocesso do desemprego, a coligação entre a Aliança Social-Democrata e o Movimento de Esquerda Verde foi claramente batida nas eleições, que tiveram lugar na Islândia no último fim-de-semana, pelos dois principais partidos mais à direita que garantiram uma maioria absoluta, permitindo assim o regresso ao poder dos responsáveis pela crise desencadeada em 2008 e originada na liberalização do sector financeiro que conduziu à ruína da banca e ao colapso da economia nacional.

Várias têm sido as explicações adiantadas para este resultado – desde o fracasso no cumprimento de expectativas à incapacidade de explicar os bons resultados na economia aos eleitores, sem esquecer quem defende que este foi uma penalização eleitoral por a senhora Johanna Sigurdardottir ter seguido demasiado a receita do FMI – sem que nenhuma pareça explicar cabalmente o que se assemelha a uma clara opção masoquista.


É que este resultado não devolveu apenas o poder aos responsáveis por um programa político-económico que se revelou claramente prejudicial ao comum dos cidadãos (a voz que é suposto o processo eleitoral representar), antes constituiu a confirmação popular da desresponsabilização de quem conduziu aquele país ao precipício, tanto mais que apesar do reconhecido repúdio popular pelos políticos a percentagem de votantes foi superior a 80%.

Diz-se que a memória dos eleitores é curta, frase que serve afinal para esconder uma realidade há muito instalada na esfera político-eleitoral: o papel dos “spin doctors” na manipulação da informação e na formação das vontades eleitorais.

É claro que desconheço em absoluto a realidade política e social islandesa, mas perante a frieza dos números tão grande reviravolta não deve ser explicada apenas pelos factores enunciados e outras “razões” existirão, nomeadamente a famigerada actuação dos “spin doctors” (numa das definições do Urban Dictionary, alguém que distorce os factos com objectivos políticos) que devem ser aprofundadas e conhecidas para contrariar a sua utilização noutras ocasiões e noutros locais, tanto mais que quem esquece as lições da História está condenado a repetir os mesmos erros.