sábado, 28 de março de 2009

NINGUÉM FICA A GANHAR COM O NOVO GOVERNO ISRAELITA

Contrariando a afirmação do DN de que «Todos ficam a ganhar no novo Governo israelita», talvez que com a aproximação do seu anúncio formal, depois de alcançado um acordo entre Netanyahu (LIKUD) e Ehud Barak (AVODA), ganhe novo sentido o trabalho apresentado em meados de Janeiro pelo “think tank” europeu – LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTECIPATION POLITIQUE – que aponta para uma possível implosão do Estado de Israel durante a próxima década.

Depois de ter atraído os trabalhistas à coligação de direita que lidera, Benjamin Netanyahu talvez não resista à tentação de querer levar um pouco mais longe a sua reconhecida oposição à constituição de um estado palestiniano (tal é opinião que Allouf Ben[1] expressou no Ha’aretz e que o COURRIER INTERNATIONAL reproduziu aqui), por muito que possa pesar o acordo que terá fundamentado a coligação com Barak (que segundo notícia do LE MONDE não passará de termos vagos sobre a continuação das negociações de paz com os palestinianos e o respeito pelos acordos já assinados). Confirmação disto mesmo é esta notícia do DN que, citando fontes israelitas, refere a existência de um acordo secreto entre Netanyahu e Lieberman (YISRAEL BEITENU) sobre a expansão de colonatos na Cisjordânia, em aberta oposição aos acordos israelo-palestinianos já firmados.

Os dados já conhecidos, nomeadamente a participação no futuro governo do YISRAEL BEITENU (formação política da direita laica, com profundas ligações às camadas de imigrantes mais recentes e oriundas dos territórios da antiga União Soviética que apresenta uma forte tendência xenófoba) cujo líder, Avigdor Lieberman, deverá ser o futuro ministro dos negócios estrangeiros e as notícias dos confrontos enter manifestantes da extrema-direita israelita e árabes-israelitas[2] habitantes da cidade de Umm al-Fahm, apontam muito mais no sentido da confirmação das condições anunciadas pelo LEAP – endurecimento da prática política israelita – para o possível desmoronamento do estado judaico que o inverso.

No essencial aquele relatório aponta sete hipóteses de natureza estrutural, a saber:

  1. o esgotamento das forças fundadoras de Israel;
  2. o fim da época de supremacia militar israelita;
  3. o fim da opção unilateral;
  4. o reforço constante da capacidade militar e estratégica dos palestinianos;
  5. a incerteza, a longo prazo, sobre o apoio dos EUA;
  6. a crescente influência da UE na região;
  7. a transformação do conflito israelo-palestiniano num conflito regional;

que, consoante ocorra ou não um conjunto de duas outras:

  • a continuidade da política israelita, com a continuação ou o incremento da implantação de colonatos judaicos nos territórios palestinianos e um aumento das tensões israelo-palestinianas;
  • o fracasso da tentativa de renovação do processo de unidade árabe e um crescente sucesso no processo de implantação do radicalismo islâmico;

ou

  • um corte radical na política israelita, abandonando os pressupostos xenófobos e de supremacia israelita e optando por iniciar uma política de integração positiva com as populações árabes;
  • um sucesso, mesmo que limitado, da oposição árabe ao extremismo islâmico;

assim poderemos, no entender daquele “think tank”, assistir ao esboroar do Estado de Israel ou à sua consolidação enquanto parceiro num processo de integração regional.

Confirmando-se, como tudo o indica, uma viragem nacionalista e conservadora no governo israelita com o consequente aumento das tensões israelo-palestinianas e na ocorrência de um crescente sucesso no processo de implantação do radicalismo religioso árabe, a prazo, dificilmente a região escapará ao eclodir de um conflito que poderá originar um fluxo migratório judaico de sentido inverso ao até agora vigente e um inevitável esvaziamento do Estado de Israel. Caso, pouco provável face à composição do seu futuro governo, se verificasse uma mudança na política israelita, apostando numa integração positiva dos palestinianos e que a resposta do lado árabe resulte no abandono das teses islâmicas radicais, talvez venha a ser possível lançar as bases de um verdadeiro entendimento entre as duas nacionalidades.

Olhando um pouco além das teses desenvolvidas pelo LEAP, parece-me que apenas uma profunda mudança na política israelita, que conduza os judeus num processo de integração pacífica com as populações palestinianas, poderá assegurar as condições para que do lado árabe se abandonem as teses islâmicas mais radicais, se encontre uma verdadeira via para a coexistência das duas nacionalidades e se resolva definitivamente o diferendo entre judeus e palestinianos sobre a posse da terra.
__________
[1] Allouf Ben é um jornalista, habitual colaborador do jornal israelita HA’ARETZ – publicação de tendência liberal – e da prestigiada revista FOREIGN AFFAIRS – publicação norte-americana sobre relações internacionais –, especialista nas relações israelo-palestinianas e israelo-sírias.
[2] Àrabe-israelita é a designação que Tel-Aviv atribui aos palestinianos residentes em território israelita. Este grupo, que corresponde a cerca de 20% da população total de Israel continua ainda hoje a ser alvo de profundas e repetidas discriminações, quer no campo político, no campo económico e no social, que poderão ainda ser agravadas caso vingue a ideia de Avigdor Lieberman da exigência de “juramentos de lealdade” àqueles cidadãos.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A PROPÓSITO DO DIA MUNDIAL DO TEATRO

Numa data convencionada como festiva, este texto deveria servir para lembrar e enaltecer uma das mais antigas formas de arte que o Homem criou.

Má fortuna ou triste sorte, o facto é que a leitura de notícias recentes[1] sobre o desfecho e o desenrolar de dois dos poucos casos de corrupção envolvendo autarcas deste país[2] que chegaram à barra de um tribunal, levam-me a concluir que ao contrário do que sucede um pouco por todo o Mundo, não existirá qualquer razão para mantermos no calendário festivo a menor referência a um Dia do Teatro.

Porquê? Talvez porque seremos um dos poucos países do Mundo onde uma das mais difíceis formas daquela arte – a Comédia – (ou a Tragicomédia, numa versão mais actual) faz parte do quotidiano dos cidadãos e praticada pelas mais destacadas figuras da vida pública nacional.

Como referia um antigo anúncio: palavras para quê? é um artista português....
___________
[1] Sobre os julgamentos de Avelino Ferreira Torres (já concluído) e de Isaltino Morais (em curso), leiam-se as seguintes notícias, do SOL, do PUBLICO, do DIÁRIO DIGITAL, do PORTUGAL DIÁRIO, da TSF e novamente do PUBLICO.
[2] Os outros foram os de Fátima Felgueiras e de Valentim Loureiro, prontamente absolvidos como o foi agora Ferreira Torres e o será em breve Isaltino Morais.

quinta-feira, 26 de março de 2009

SNS – SALVEM A NOSSA SAÚDE

A TSF, quando se assinalam os 30 anos do Serviço Nacional de Saúde, deu hoje voz àquele que justamente é considerado o seu “pai” – António Arnaut – que referiu coisas tão importantes mas tantas vezes escamoteadas; como:

«Com a penetração do sector privado verifica-se uma certa degradação do sector público. As pessoas se não são bem atendidas no sector público tendem a fazer um seguro de doença, mas esses seguros são na maior parte uma fraude», pois «[e]u com a minha idade, tenho 73 anos, se quiser fazer um seguro não me fazem, uma pessoa que tem uma doença crónica ou grave também não lhe fazem e depois é limitado, porque ninguém tem dinheiro para fazer um seguro que cubra todas as patologias» .

Não poupou sequer os políticos que lhe sucederam no governo e criticou-os por considerar que «…o Estado não tem cumprido o seu papel e não tem fiscalizado como devia os seguros de saúde…».

É claro que do Instituto de Seguros veio logo alguém lamuriar a habitual ladainha… o ramo saúde até dá prejuízos! e, o seguro, até não funciona assim tão mal pois tem vindo a crescer o número de clientes…

A realidade é aquela que quem por infelicidade sua alguma vez teve de recorrer a qualquer dos sistemas (o público, através do SNS, ou o privado, através das seguradoras) bem conhece: serviços morosos, de qualidade dúbia e que cada vez mais se preocupam com a rentabilidade do “doente”, que com o seu pronto e rápido restabelecimento.

Em conclusão, nem dispomos de um SNS eficiente, nem os sistemas privados respondem a mais que à defesa dos interesses dos seus accionistas e tudo em nome da bendita eficácia económica.

quarta-feira, 25 de março de 2009

A DÚ(Í)VIDA QUE NOS UNE

Foi com natural interesse que li ontem no ECONÓMICO o artigo assinado por António Ramalho, onde este se propõe reflectir sobre o que nos devia unir neste momento de crise.

Para o autor o que nos une é uma enorme dívida!

Uma dívida que, nas suas próprias palavras, não terá sido um desperdício pois «[e]stá nas casas próprias que habitamos, nos empregos que foram criados e preservados, na educação em que investimos, na segurança social e saúde que garantimos, está nas estradas que construímos etc... E por muito pouco que tenhamos hoje, é bom recordar que foi com dívida que o adquirimos», mas que «...é fundamental consciencializarmo-nos que teremos não só de pagar os juros como, a prazo, reduzir esta dependência, isto é, pagar esta dívida».

E o que propõe é que seja «...a produtividade (e a competitividade) que nos deverá unir. E a produtividade implicará mais trabalho, mais responsabilidade individual, mais risco pessoal, isto é mais meritocracia dos colaboradores. Representará mais selectividade, mais concentração, mais captura de ganhos na cadeia de valor pelas empresas. E implicará também maior transparência e maior eficiência a menor custo por parte do Estado».

Embora o autor tenha tido o cuidado de logo no início assegurar que a sua preocupação se irá centrar na solução e não no diagnóstico – atitude talvez politicamente muito louvável mas desprovida da mínima sustentabilidade técnica, pois o conhecimento das origens da crise é indispensável para a formulação de propostas de solução minimamente adequadas – a leitura das conclusões não permite a mínima dúvida sobre as reais razões para uma tão radical e despropositada simplificação.

É natural que, para quem tem vivido nas últimas décadas bem no topo do cerne do sector de actividade que possibilitou o avolumar da tempestade, lhe pareça mais recomendável concentrar esforços na procura de uma solução que enveredar por um processo que em última análise apenas poderá ser o da autoflagelação; é que embora titulando-se de simples gestor, o Dr. António Ramalho é o actual presidente do Conselho de Administração da UNICRE[1] (a empresa nacional especializada na gestão e emissão de cartões de pagamento e no crédito ao consumo) e foi, desde a década de 90, administrador de vários bancos.

Entendidas as razões que o levam a não querer elaborar qualquer tentativa de diagnóstico, de pronto se começa a entender que talvez os resultados – as tais soluções – não possam atingir padrões muito elevados. Assim, mesmo admitindo que o que diz faz sentido (e fá-lo-á principalmente dentro de uma certa lógica de economia baseada no crédito) e que até possamos (por agora) esquecer o que nos conduziu à situação em que nos encontramos, a aparente lógica da proposta rui perante uma leitura mais atenta.

É que se não existirão muitas dúvidas sobre o elevado peso que hoje representa a dívida nacional, já a solução proposta, que passa por uma aposta no aumento da produtividade e da competitividade, e, principalmente a forma como a reduz a «...mais trabalho, mais responsabilidade individual, mais risco pessoal, isto é mais meritocracia dos colaboradores «...» [e] também maior transparência e maior eficiência a menor custo por parte do Estado», não passa de uma abjecta manobra para lançar o ónus da recuperação sobre os sectores da população que menor responsabilidade apresentam no eclodir da crise.

Este é o típico discurso da consciência pesada a que se adiciona a completa inconsciência sobre a situação em que vive e trabalha a esmagadora maioria daqueles a quem o Dr. António Ramalho pretende fazer suportar os custos dos erros e da má gestão pela qual ele é um dos co-responsáveis. Aos anseios de vastas camadas da população trabalhadora, submetida a salários muito inferiores à média comunitária mas bombardeada por todo o tipo de campanhas publicitárias consumistas, apelando ao consumo fácil, imediato e barato (incluindo as da própria UNICRE), que foram sendo satisfeitos pelos políticos mediante um desregrado recurso ao crédito, pretende-se agora exigir maior meritocracia, precisamente aquela que políticos e gestores revelaram não ter.

Não admira que à empresa que dirige (e aos seus accionistas[2]) não interesse qualquer tipo de apuramento de responsabilidades (tanto mais que serão sempre muito difíceis de explicar as absurdas taxas de juros cobradas pela UNICRE – que regularmente se situam acima dos 20%) e ainda menos qualquer tipo de avaliação que possa revelar o logro em que nos têm feito viver a todos e que tem permitido aos bancos os inadmissíveis lucros que apresentam e aos gestores a repartição entre si dos principescos prémios e demais mordomias negados ao comum dos mortais.

Por tudo isto, por discursos como o de António Ramalho, de Silva Lopes ou de Vítor Bento[3], mais que a dívida que nos une, deve ser a dúvida a unir-nos. Dúvida que deve ser expressa por todos sob a forma de uma simples pergunta: como poderão orientar-nos a sair da crise aqueles que durante décadas agiram na exclusiva defesa dos seus interesses próprios e imediatos e assim nos conduziram até ela?
__________
[1] Pelo menos é nessa qualidade que é mencionado na página daquela empresa e que podem consultar neste endereço: http://www.unicre.pt/site/?idc=3.
[2] A lista completa dos accionistas da UNICRE pode ser consultada neste endereço: http://www.unicre.pt/site/?idc=4.
[3] As intervenções de Silva Lopes e Vítor Bento, pugnando pela redução de salários como via para a resolução da crise, já foram objecto de apreciação crítica no “post” «CANTOS NOVOS, RUMOS VELHOS».

domingo, 22 de março de 2009

TENHAM FÉ... MAS PREPAREM-SE PARA O PIOR

A recente polémica aberta em torno do destino dos fundos públicos que têm estado a ser injectados no sector financeiro norte-americano (não se fala no caso europeu porque, infelizmente, um nível de transparência idêntico ainda cá não chegou) e a releitura de uma crónica do final do mês de Fevereiro de Perez Metelo - «SALTO DE FÉ... SEM COMENTÁRIOS» - na qual, a propósito da política americana dos “estímulos”, este escrevia: «Por mais que nos custe reconhecê-lo, não vão ser os sectores não-financeiros da economia a tirar-nos da crise, terão de ser os bancos a fazê-lo. Por uma razão elementar: é que a actividade de crédito da banca recobre o conjunto da economia, fornece o elemento essencial que transforma confiança numa boa ideia de negócio em actividade produtiva material.», levam-me hoje a propor-vos uma rápida reflexão sobre o transcendental papel do sector financeiro nas economias modernas.

Mesmo sem querer remontar às origens das primeiras operações bancárias – as notas de crédito que durante a Idade Média e os alvores da burguesia mercantil ajudaram a aumentar a circulação monetária entre estados e a evitar os riscos aos viajantes de bolsos recheados – nem tão pouco á criação, em 1694, do primeiro banco central – o Banco de Inglaterra – e à aplicação do princípio da reserva fraccionária (o sistema que permite aos bancos emprestarem parte dos valores depositados à sua guarda), sempre vou recordando que remontarão aos tempos da aprovação do Federal Reserve Act (a lei do Congresso norte-americano, aprovada em 1913), da criação do FED e da cedência do poder de criação de moeda à iniciativa privada.

Como já referi noutras ocasiões[1], a questão fulcral em qualquer economia prende-se com a criação da moeda e em especial com o facto desse poder discricionário ter sido “delegado” num sistema financeiro exclusivamente controlado pela iniciativa privada. Destarte, a moeda (seja na sua forma impressa ou meramente escritural) perdeu o papel de equivalente geral (meio para assegurar a medida da riqueza de uma nação) e de meio universal de pagamento para passar a assegurar o sobre enriquecimento das empresas que passaram a controlar a sua emissão – os bancos.

A concentração daquele poder discricionário (e totalmente desligado da realidade e das necessidades das economias) e o subterfúgio operativo que transformou a taxa de reserva[2] no multiplicador de crédito[3] colocaram ao alcance de uns quantos eleitos o poder de multiplicar exponencialmente os ganhos. Para se entender este efeito veja-se a diferença nos volumes de moeda criada (e de juros cobrados) num e noutro caso:


e compreenda-se porque é que o sector financeiro não quer de modo algum perder semelhante poder.

Actualmente, e no respeito pelas normas constantes do Acordo de Basileia, os bancos passaram a usar como medida da sua “saúde financeira” um indicador designado por TIER 1 que mais não é que uma relação entre o capital próprio do banco e os seus activos ponderados pelo risco (principalmente pelo risco de crédito) e que sendo habitualmente fixado nos 8% proporciona um efeito de multiplicador do crédito da ordem dos 12,5.

Que outra actividade económica legal permitirá obter taxas de retorno de 995%?

Perante um cenário desta natureza quem, honestamente, pode estranhar que os “senhores” da alta finança se comportem como os donos do Mundo e sintam que não têm que prestar contas a ninguém?

Bem poderão os Obamas da actualidade pretender a imposição de regras mais transparentes, ou os Sarkozys e os Browns dizerem que querem impor novas regras para os mercados financeiros, que enquanto vigorar o actual sistema de reserva fraccionária e for permitido aos bancos comerciais a criação de moeda a seu bel-prazer e para exclusiva satisfação dos seus interesses pouco ou nada irá mudar. Disso se encarregam os Bernankes e os Trichets de um e do outro lado do Atlântico.

Sintoma disso mesmo é a forma como Perez Metelo conclui o seu artigo. Conhecedor destes meandros, mas sem vontade ou interesse em os desmascarar, diz terminando de forma quase anódina: «Obama pediu aos seus concidadãos um salto de fé: acreditem que o dinheiro para a banca vai irrigar a economia real, com resultados rápidos. Veremos...»

Acreditem e rezem... e, pelo sim pelo não, mesmo correndo o risco do anátema ou da excomunhão, usem o preservativo! É que a prosseguir nesta via a economia mundial vai continuar profundamente infectada e pronta a gerar a próxima crise...
________
[1] A título de exemplo vejam-se os “posts”: «A EMBRIAGUÊS FINANCEIRA» e «A QUEDA DE UM ÍDOLO».
[2] A taxa de reserva é o valor fixado pelos bancos centrais como mínimo obrigatório para a constituição de reservas sobre os montantes depositados nos bancos. Actualmente o valor estabelecido mais corrente é de 10%, o que significa na prática que por caca 10 unidades monetárias, depositadas num banco comercial, este terá que depositar 1 u.m. no banco central.
[3] Matematicamente definido como o inverso da taxa de reserva, o multiplicador de crédito traduz a capacidade concedida aos bancos para aumentar o volume de crédito concedido. Em termos práticos, partindo de uma taxa de reservas de 10%, o conceito do multiplicador permite ao banco comercial emprestar 10 u.m. por cada unidade depositada no banco central sob a forma de reservas; isto não só permite ampliar muito mais o volume de crédito a conceder como, obviamente, os lucros registarão um crescimento exponencial.

terça-feira, 17 de março de 2009

A “CAÇA ÀS BRUXAS” E A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

Na sua edição do passado dia 12 a TRIBUNE DE GENÈVE publicava, sob o título «Um internauta anti-semita preso» a seguinte notícia:

«Um “blogger” de Genebra, na casa dos cinquenta anos, apodrece na prisão há uma semana. É acusado de ter escrito artigos anti-semitas no seu “site” da Internet. O CICAD (Coordenação Intercomunitária Contra o Anti-semitismo e a Difamação)[1] apresentou uma queixa. O “site” continua activo, mas os temas anti-semitas já não estão disponíveis. Foi preciso, da parte do CICAD, um pedido de medidas cautelares para que o fornecedor do acesso acabasse por bloquear as respectivas ligações.

‘Este caso mostra que a Internet é o principal vector de anti-semitismo’, afirmou o presidente do CICAD. O advogado do acusado interroga-se porque é que o seu cliente, na prisão há oito dias, ‘é tratado como um pedófilo’» [2]

O empedernido anti-semita, objecto da notícia, não é outro senão Frank Brunner o editor da página INTÉRÊT GÉNÉRAL que já foi libertado na sequência da decisão do magistrado que não reconheceu como provadas muitas das alegações contra ele apresentadas. Os artigos objecto da queixa do CICAD já têm o acesso barrado e foram maioritariamente escritos entre 3 e 21 de Janeiro deste ano, no aceso da invasão israelita da Faixa de Gaza; baseados em despachos de várias agência informativas, neles são relatados inúmeros atropelos às leis internacionais e aos princípios de defesa dos direitos humanos, tais como os bombardeamentos indiscriminados das áreas densamente habitadas daquele território palestiniano, a transformação em alvos das ambulâncias que tentavam prestar socorro aos feridos, o massacre de famílias inteiras, etc., etc.

Frank Brunner já se encontra em liberdade – o tribunal a que foi presente ilibou-o das acusações mais graves, retendo apenas a de “discriminação racial”, e que a gravidade das ideias difundidas não justificavam o prolongamento da detenção –, um breve resumo das suas “aventuras” pode ser lido
aqui e a página que edita já está de novo a disponibilizar informação e comentários aos internautas interessados.

De toda esta história importa talvez reter dois ou três importantes ensinamentos: agora, como noutros tempos históricos, haverá sempre quem defenda o método da “caça às bruxas” como recurso para silenciar os que pensem de forma diferente (pior ainda se exprimirem de forma pública as suas opiniões); na ausência de verdadeiros argumentos e quando a realidade dos factos não permite mais o recurso a manobras de mera desinformação ou de contra-informação, recorre-se a todos os meios disponíveis.

Diabolizam-se os opositores (tanto mais se estes forem vozes incómodas)[3]; vilipendia-se um meio de comunicação e difusor de informação por excelência, como a Internet, enquanto se escamoteia que o governo israelita mantém activo um núcleo de internautas pró-sionistas pronto a actuar contra qualquer “blog” que se revele particularmente crítico[4].

Depois ainda há quem se espante de afirmações que assinalam o extremo cinismo de Israel – como algumas das produzidas por Frank Brunner – quando os organismos sionistas (e o próprio governo que os financia) clamam por justiça contra as “calúnias” de que é alvo mas utiliza “agentes provocadores” para rebater as críticas de que se afirma alvo.

Por muito que custe, haverá ainda quem possa criticar quem publica imagens como esta?
recolhida durante uma manifestação na Cisjordânia contra a demolição de casas pelo exército israelita e onde se pode ler no cartaz em primeiro plano:

VOCÊS
apoderaram-se da MINHA água
queimaram as MINHAS oliveiras
destruíram a MINHA casa
apoderaram-se do MEU trabalho
roubaram as MINHAS terras
prenderam o MEU pai
mataram a MINHA mãe
bombardearam o MEU país
matam-NOS à fome
humilham-NOS
mas
a culpa é minha:
reagi com uma pedrada

Por muito que custe ao governo de Israel e às comunidades judaicas espalhadas pelo Mundo, recordar e defender o direito Palestiniano à resistência não pode ser apodado (pelo menos pelos estados que se autoproclamam de democráticos e defensores do direito da liberdade de expressão e de pensamento) de prática anti-semita, porque condenar as formas de racismo e de opressão intrínsecas à doutrina sionista não é o mesmo que defender a eliminação dos judeus. A propositada confusão entre os dois termos (anti-semitismo e anti-sionismo) tem sido uma prática deliberada e recorrente do próprio sionismo, talvez ciente da injustiça e cinismo das suas teses, e cada vez mais transformada em chavão quando até no seio da própria comunidade judaica se erguem vozes que questionam a lógica intrínseca do sionismo[5].

Não se pense, infelizmente, que esta irreprimível tentação para a censura se resume aos sionistas ou ao Estado de Israel, pois, em especial após o 11 de Setembro e a difusão da paranóia securitária instrumentalizada pelos “neocons” americanos, têm-se repetido os casos de aprovação de legislação visando o controlo de meios de difusão de informação como a Internet, em países que se dizem defensores da liberdade de expressão[6].

Por isso, seja sob o pretexto da luta anti-terrorista seja por imperiosa necessidade de proteger e branquear políticas anti-humanitárias, não faltarão interesses a tudo dispostos para silenciar quem for tentando remar contra a maré de acomodados bem pensantes.
_________
[1] O CICAD é uma associação de direito suíço que tem por objectivo lutar contra todas as formas de anti-semitismo na Suíça francesa. Outras informações podem ser consultadas neste endereço: http://www.cicad.ch/index.php?id=3
[2] O texto traduzido foi extraído do sumário das notícias em arquivo, na página do TRIBUNE DE GENÈVE ; o artigo na íntegra pode ser lido no endereço cujo “link” está associado ao seu título.
[3] Em Agosto de 2007 escrevi o “post” «ANTI-SEMITISMO E ANTI-SIONISMO» cuja leitura talvez se volte a justificar.
[4] A própria imprensa israelita não fez qualquer segredo desta matéria, como se pode confirmar por esta notícia do YNET NEWS.
[5] Recordo, a propósito, a introdução de um artigo de Avraham Burg, publicado em 2003 pelo GUARDIAN, sob o título «THE END OF ZIONISM», onde este afirmava: «Israel tem que abandonar as suas ilusões e escolher entre a opressão racista e a democracia». Este artigo e as posições de outros pensadores judeus foi objecto de análise no “post” «ANTI-SEMITISMO E ANTI-SIONISMO» já referido na nota 3.
[6] No auge do segundo mandato de George W Bush foi tentada a aprovação pelo Senado norte-americano de uma lei que obrigava ao registo de todos os “bloggers”, à semelhança da prática seguida para os “lobbys”, cujo grande defensor foi, nem mais nem menos que John McCain, o ex-candidato do Partido Republicano (ver notícia aqui). Também na Europa, a mui liberal Suécia, pretende “vigiar” a correspondência electrónica dos seus cidadãos (ver notícia aqui).

sábado, 14 de março de 2009

ASSIM A INFLEXÃO NÃO ESTÁ MAIS PRÓXIMA

Quando há cerca de uma semana li a coluna de Thomas Friedman - «The Inflexion Is Near?» - no NEW YORK TYMES, onde este levantava algumas questões sobre a forma como todos parecem olhar para a crise em curso e principalmente para o modelo de desenvolvimento que a originou, que no seu muito apreciado estilo literário[1] descreve da seguinte forma:

«Abandonemos hoje os habituais limites na análise da crise e façamos uma pergunta radical: E se a crise de 2008 significa algo muito mais grave que uma profunda recessão? E se for um aviso de que todo o modelo de crescimento que desenvolvemos nos últimos 50 anos for económica e ecologicamente insustentável e que o que foi em 2008 que esbarrámos numa parede – quando a Mãe Natureza e o mercado disseram: “Acabou.”

Criámos um sistema de crescimento que depende de construirmos mais e mais lojas para vender mais e mais quinquilharia fabricada em mais e mais fábricas na China, alimentadas por mais e mais carvão que originará mais e mais alterações climatéricas mas proporcionará mais e mais dólares à China com os quais comprará mais e mais U.S. T-bills
[2] para que a América tenha mais e mais dinheiro para construir mais e mais lojas e vender mais e mais quinquilharia para dar emprego a mais e mais chineses...

Não podemos continuar a fazer isto.
»

mesmo concordando e admirando a forma sintética como aprecia a situação, não pude deixar de sorrir e de recordar o importante papel que teve na difusão e na defesa de muitas das teses neoliberais que nos conduziram até à beira do abismo.

É que se Thomas Friedman preferiu a figura de estilo da “cabeçada na parede” eu prefiro a da “beira do precipício” pois não estou tão seguro que os dirigentes mundiais que até aqui nos conduziram não nos guiem levianamente até à queda, seguindo as mesmas teses que ele próprio difundiu em alguns dos livros que publicou[3], onde embora revelando já preocupações de natureza ambiental não deixou de fazer a apologia dos interesses das grandes multinacionais e da liberalização dos mercados.

As dúvidas que agora coloco, tal como já o fiz noutras ocasiões, não resultam de qualquer juízo “a priori” relativo ao autor, mas fundamentalmente do enorme risco que correremos se seguirmos de forma acrítica propostas de soluções que pouco mais fazem que iludir-nos com cenários paradisíacos, mas de cuja execução não poderemos esperar senão “mais do mesmo” – mais artifícios criadores de riqueza sem qualquer sustentabilidade num tecido produtivo forte e sustentável (do ponto de vista financeiro e ecológico), aprofundamento do modelo de desenvolvimento baseado na concessão de cada vez mais crédito, mais desigualdade na distribuição da riqueza produzida.

Para agravar estas perspectivas apenas falta referir que piedosas intenções deste jaez pretendem ser aplicadas por uma plêiade de políticos cuja única real preocupação é a da sua perpetuação na esfera do poder e cuja dependência dos poderes económico e financeiro é por demais conhecida e que, tal como os opinantes, encontram-se entre os principais responsáveis pela situação que atravessamos.

Mas se a incapacidade na detecção e implementação de soluções que efectivamente servissem a vasta maioria das populações e a falta de visão dos actuais políticos (os que ocuparam ou ocupam os lugares de decisão) nos conduziram efectivamente ao ponto em que estamos, aconselha uma mudança de soluções, então, as possíveis soluções que nos conduzam à saída desta crise devem ser procuradas fora do círculo de pensadores que ajudaram a originá-la e a condução das estratégias deverá, forçosamente, ser entregue a outros que não os que serviram para nos conduzir até à beira do precipício.

Se a crise aparenta tal gravidade que torna cada vez mais urgente uma mudança de paradigma, iremos continuar a dar ouvidos aos ideólogos e aos políticos responsáveis pelos caminhos trilhados, ou parafraseando o poeta[4] diremos:

«Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!»

e procuraremos quem nos ajude a definir um novo paradigma de desenvolvimento, baseado numa economia real, solidária e sustentável, ao invés da apologia do etéreo financeiro e do lucro a qualquer custo.
__________
[1] Thomas Friedman é um escritor e jornalista, laureado três vezes com o Prémio Pulitzer, o equivalente ao Nobel para o mundo do jornalismo.
[2] T-bills, também designados por Treasury Bills (títulos do tesouro), são títulos de dívida pública emitidos pelos EUA, de maturidade muito curta (no máximo um ano) que não pagam juros – tal como os chamados títulos de cupão-zero – resultando a sua remuneração do facto de serem vendidos a desconto (abaixo do valor nominal) e amortizados ao par. São normalmente considerados como os títulos de risco mais reduzido.
[3] As suas obras mais conhecidas são: «THE LEXUS AND THE OLIVE TREE», «O MUNDO É PLANO» e «QUENTE, PLANO E CHEIO», os dois últimos com edição portuguesa.
[4] A referência é, obviamente, a José Régio, pseudónimo literário de José Maria dos Reis Pereira, professor liceal (no Liceu de Portalegre) e um dos fundadores da revista "Presença".

terça-feira, 10 de março de 2009

MÍOPIAS

Mesmo sem querer engrossar o coro das vozes que de pronto se terão levantado para assinalar mais um dislate de Alberto João Jardim[1], não resisto a trazer aqui aquilo que se me afigura como uma clara demonstração da total incapacidade dos políticos nacionais e estrangeiros (em especial daqueles que nas últimas décadas apoiaram ou deram cobertura às estratégias de rapina prosseguidas pelos interesses dos capitais transnacionais) para enfrentarem de forma adequada e sustentada a actual crise mundial.

Míopes por décadas em que se recusaram a ver a realidade que os sustentou no poder ou na sua órbita, os actuais líderes – de que o inefável Alberto João Jardim é um lídimo representante – desdobram-se nas mais variadas afirmações e apelos. Desde as garantias que prontamente disponibilizaram ao sector financeiro (não apenas o grande responsável mas também o grande executor e dinamizador da confusão a que o Mundo foi conduzido) até aos discursos bem intencionados mas tecnicamente insustentáveis como o proferido por José Sócrates quando se afirmou desejoso de “salvaguardar os empregos de toda a gente”, ou os vagamente diferentes, como os de Manuela Ferreira Leite que entre uma ou outra crítica justa ou proposta tecnicamente defensável vai deixando passar incólume o essencial do discurso do “salvamento da economia”.

Mas de que economia falam eles? A economia bacoca e salazarenta do “pobrezinhos mas remediadinhos” que nunca deixou de ter ilustres cultivadores entre nós (desde que para eles e os grupos que representam não deixem de existir benesses e mordomias como as das chorudas pensões recebidas após curtos anos de actividade), a que originou o desequilibrado modelo de distribuição de riqueza que conhecemos, que exige cada vez maior número de anos e de horas semanais de trabalho, mas paga reformas e salários cada vez menores ou uma economia na qual os dois factores produtivos (capital e trabalho) sejam remunerados de forma equitativa e em função do efectivo contributo para o enriquecimento da sociedade.

Ouvindo políticos como Alberto João Jardim a apelar aos empresários que contemplem a redução de lucros como via para combater o desemprego, talvez os mais crédulos se sintam reconfortados, eu apenas me sinto mais revoltado e enojado pela enorme falta de vergonha e de carácter (sim, aqui pode-se empregar correctamente a expressão, tanto mais que há uma semanas foi notícia do EXPRESSO a limitação imposta pelo Governo Regional da Madeira à contratação de trabalhadores estrangeiros) daqueles que nos conduziram até esta situação e agora, candidamente (quais virgens púdicas...) apelam aos sentimentos de quem continua a ganhar com a crise que originou.
__________
[1] Ver as notícias do PUBLICO, do DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA e do JORNAL DA MADEIRA.

domingo, 8 de março de 2009

DIA INTERNACIONAL DA MULHER 2009

Detesto, é sórdida, a frase:

«Por detrás de um grande homem está uma grande mulher».

Nada disso: está ao lado, rigorosamente ao lado, como amparo, como estímulo, como cúmplice.

Baptista-Bastos in «A Obstinada Teimosia»

sábado, 7 de março de 2009

CANTOS NOVOS, RUMOS VELHOS

Basta um rápido olhar pelos diversos meios de comunicação nacionais e estrangeiros para confirmar que o que neles não falta são doutíssimas e diversíssimas opiniões sobre a crise que vivemos e o que devemos fazer (e não fazer) para saímos dela.

Desde os principais responsáveis pela condução das grandes economias mundiais e dos seus sistemas financeiros que colaboraram activamente no processo de desregulamentação do qual resultou o colapso dos mercados financeiros e que incentivaram a implementação das políticas de deslocalização da produção industrial para mercados com menores custos de mão-de-obra (mas sempre fizeram questão de encher os seus discursos pomposos com referências aos direitos humanos), desde os aclamados teóricos (quase todos agraciados com prémios Nobel e outras digníssimas distinções) que sempre se desmultiplicaram em elaboras e doutíssimas explicações que demonstravam a excelência das suas teorias e o quanto todos iríamos lucrar com a sua aplicação prática, até aos políticos carreiristas cuja capacidade de visão e de entendimento da realidade dificilmente ultrapassa o cenário temporal do próximo ciclo eleitoral e aos jornalistas (aqueles que escrevem nos jornais e outros meios de informação) que tendo abdicado de quase toda a actividade crítica se transformaram em mais uma peça na engrenagem da difusão do pensamento dominante, todos começam agora a emergir como propagadores de novas ideias e de potenciais detentores da fórmula mágica, qual pedra filosofal alquimista transmutadora da crise, que a todos conduzirá ao próximo oásis económico.

Neste grupo encontram-se os Obama, os Brown e os Straus-Khan, os Roubini e os Krugman, os Sócrates, as Manuela Ferreira Leite e os Silva Lopes, que entre piedosas intenções ou meros lugares comuns vão debitando opiniões com a regularidade que os tempos conturbados exigem. E se no caso dos políticos algumas das declarações podem ser catalogadas no rol das meras banalidades a que tanto nos habituaram, doutros, como o ex-governador do Banco de Portugal, ex-presidente do Montepio Geral, ex-ministro das finanças, ex-consultor do FMI e do Banco Mundial, é de esperar mais que meras “boutades” como a que proferiu durante o almoço-homenagem promovido pela Associação Industrial Portuguesa e pela Ordem dos Engenheiros, defendendo a necessidade da congelação dos salários como via para a resolução da crise[1].

É que por mais louvável que seja a ideia de todos contribuirmos para o financiamento da parte da população na situação de desemprego, o insigne homenageado ter-se-á esquecido de explicar por que mecanismo é que o dinheiro assim poupado seria aplicado no apoio aos desempregados; mais, se Silva Lopes pretendeu chamar a atenção para a necessidade de mudança do estigma social associado à situação de desempregado, parece-me correcto, embora o mesmo não possa ser dito da forma como o expressou, mas se o verdadeiro objectivo era mais o de apresentar uma proposta inovadora, melhor seria ter ponderado quais os reais efeitos sobre a procura interna e sobre o efeito que uma ainda maior redução desta terá sobre o tecido empresarial nacional.

Mesmo entendendo a necessidade de recurso a políticas não ortodoxas, entre as quais a plateia que o ouvia pode muito bem ter classificado as propostas de aumento significativo da tributação dos dividendos, a limitação das deduções em sede de IRS para os rendimentos mais elevados e a criação de um escalão de IRS mais alto para os mais ricos (ideias tão ortodoxas que esperam não as ver aplicadas), a ideia da redução salarial nem sequer será inédita, como já terá constatado quem tenha lido no último número da revista VISÃO o artigo que refere a publicação próxima de um livro de Vítor Bento onde este defende a necessidade de redução dos salários reais por forma recuperar-se a competitividade da produção nacional.

Esta além de não constituir uma tese nova – antes um claro oportunismo e uma evidente mistura de conceitos – esta opinião do presidente da SIBS ainda escamoteia o facto dessa redução ser uma realidade há vários anos[2]. Pior, partindo de dados do BCE que referem um aumento de 13% nos custos unitários do trabalho em Portugal, relativamente à média da Zona Euro, e de um crescimento menor da produtividade nacional, conclui que apenas por via da redução dos salários reais será possível recuperar a competitividade perdida pela economia nacional.

Além da já referida limitação nas premissas, importa ainda lembrar que esta conclusão sofre de uma segunda, e grave, incorrecção. Sendo a produtividade definida como uma relação (quociente) entre a produção e os factores produtivos utilizados[3], as inúmeras combinações possíveis entre os dois factores produtivos (capital e trabalho) originarão valores muito díspares[4], nunca explicados e invariavelmente utilizados para fundamentar a necessidade de prejudicar o factor trabalho nas políticas de distribuição do rendimento.

Por último refira-se ainda a estranheza de propostas que se apresentam em perfeita discordância com declarações de outros teóricos e responsáveis que apontam a forte quebra na procura – ditada por factores como o crescimento real do desemprego e o efeito psicológico que este cria sobre o conjunto das famílias – como grande responsável pelo agravamento da crise económica e o facto de teses desta natureza apenas agravarem o sentimento de justa revolta de quem vê aparecerem cada vez mais milhões para o sector financeiro e empresarial enquanto os restante são abandonados à sua sorte.

Propostas desta natureza e fundamentadas em tão pouco sólida argumentação pouca utilidade terão como contributo válido para a superação da crise (salvo para as já privilegiadas minorias), tanto mais que os especialistas mantém ainda acesa polémica sobre a sua duração, não faltando quem lhe anteveja o final para breve, quem, como Paul Samuelson numa entrevista publicada na já referida revista VISÃO, preveja um horizonte de duração até 2012, ou ainda maior; o que seguramente não faltarão serão os oportunistas, prontos a delas se aproveitarem.

Exemplo do pronto oportunismo de teses despropositadas e demagógicas, como as de Silva Lopes e de Vítor Bento, foi o imediato aparecimento de notícias como a de que a «PT quer congelar salários em 2009» sob a alegação da crise económica mas escamoteando o facto de ter obtido 581,5 milhões de euros de lucro em 2008 e de no quarto trimestre desse ano ter visto aumentados os lucros em mais de 100% face ao período homólogo de 2007[5].
___________
[1] Sobre o assunto ver as notícias do EXPRESSO, TSF e PUBLICO.
[2] Estou a referir-me ao facto de há muitos anos se ter tornado prática corrente em Portugal o total absurdo de indexar os aumento salariais a um indicador fantasma – a inflação esperada – que habitualmente sempre se tem revelado inferior (e por vezes com grande desvio) à inflação real, fenómeno do qual resulta uma redução dos salários reais.
[3] Para não tornar a argumentação demasiado fastidiosa vou deixar de lado a discussão sobre a forma como se harmonizarão valores expressos em unidades diferentes (por exemplo, o preço de venda dos bens e número de horas de trabalho necessário para os produzir).
[4] Para se entender a dificuldade prática na determinação deste indicador basta recordar que cada unidade produzida é fruto da combinação entre diferentes dotações de capital e trabalho, pelo que o resultado poderá revelar-se completamente enviesado em situações com uma menor dotação de capital (por outras palavras numa dotação com maior preponderância para o recurso a um maior número de horas de trabalho/homem o resultado evidenciará uma menor produtividade ainda que esta não resulte de menor empenho ou qualidade do trabalho utilizado, mas sim de uma deficiente dotação de capital expressa num menor investimento em maquinaria).
[5] Dados extraídos desta notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS.

quarta-feira, 4 de março de 2009

A EMBRIAGUÊS FINANCEIRA

Nas vésperas da mini-cimeira europeia que teve lugar no passado domingo, que se destinava a “tranquilizar” os mais preocupados com a possível emergência de políticas proteccionistas mas acabou por ter como principal resultado a aprovação de um plano para o tratamento dos “activos tóxicos”[1], o JORNAL DE NEGÓCIOS publicou um artigo da autoria do Nouriel Roubini, onde este conclui que «É hora de nacionalizar os bancos insolventes».

Quando ainda se mantém em aberto o debate sobre a estratégia a seguir, eis que aquele que é apontado como o “profeta” que primeiro alertou para o rebentamento da bolha especulativa, vem a público defender a nacionalização do sector financeiro como única alternativa viável para uma rápida solução dos problemas que as notícias diárias nos fazem chegar sob a forma de falências de empresas, de despedimentos de trabalhadores, da quebra na procura nos mais variados sectores da actividade económica e nas constantes necessidades de mais e mais fundos públicos para colmatar os “buracos” existentes num sector financeiro cuja “embriaguez” parece incurável.

Usando as suas próprias palavras, «...a nacionalização pode ser, paradoxalmente, uma solução mais favorável para os mercados: eliminará os accionistas ordinários e preferenciais das instituições claramente insolventes e possivelmente os credores sem garantias se a insolvência for de larga escala, ao mesmo tempo que representará uma carga menor para os contribuintes. Pode também resolver o problema da gestão dos activos tóxicos dos bancos, através da revenda da maioria dos activos e depósitos - com garantia estatal - a novos accionistas privados depois de um saneamento dos activos tóxicos...», conclui-se que tudo o que pretende é ver resolvida a crise de insolvência em que alguns bancos já se encontrarão, enquanto os restantes para lá caminham.

Quem receie que o insigne professor e antigo especialista do FMI e do Banco Mundial (além de conselheiro económico do ex-presidente Bill Clinton) se tenha convertido num “perigoso” adversário do liberalismo económico, bastará ler uma sua entrevista publicada no LE MONDE onde se proclama defensor de uma nacionalização temporária dos bancos, para que se tranquilize. Aliás a tese de Roubini mais não faz que retomar o que outros já defenderam de forma expressa, como Alan Greenspan (o antigo presidente do FED) e Paul Krugman[2], ou mesmo de forma indirecta como o fez Ben Bernanke (o actual presidente do FED) durante a reunião de uma Comissão do Senado norte-americano que teve lugar do final de Fevereiro, na qual deixou o aviso de que a recessão se poderá prolongar por 2010, caso o governo americano não adopte as medidas adequadas, entre as quais se conta o restabelecimento da estabilidade do sistema financeiro[3].

Enquanto isto, os governos continuam (ainda e sempre) a injectar dinheiros públicos nas empresas do sector financeiro, como o atesta a notícia do DIÁRIO ECONÓMICO que dá conta que a «seguradora AIG vai receber terceiro pacote de salvamento», mas os efeitos de falta de liquidez e de confiança persistem. Embora o presidente Obama se desdobre em esforços para a aprovação de mais planos de salvamento e no mais recente discurso perante o Congresso tenha procurado deixar sinais de esperança, a realidade (que não escondeu) continua a ser francamente pessimista.

E porquê?

Serão as medidas já implementadas e as propostas totalmente desadequadas? Pecarão estas por excesso, como pretendem alguns dos mais convictos defensores das falidas teses liberais, ou pelo contrário a sua eficácia tem estado limitada pela respectiva tibieza?

Não será totalmente desajustado defender a nacionalização de empresas do sector financeiro, para proceder ao respectivo saneamento e posterior revenda à iniciativa privada, nos termos propostos por Roubini, mas apenas estupidamente caro para os contribuintes[4] e quase seguramente ineficaz, pois o verdadeiro problema das economias mundiais e dos sectores financeiros encontra-se na génese da sua própria actividade.

Razões de natureza política poderão justificar a intervenção (nacionalização) nas empresas relevantes para as economias, seja pelo seu papel activo no financiamento da actividade empresarial seja pela sua importância enquanto produtoras de bens e serviços essenciais ou geradoras de emprego, mas a efectiva normalização dos circuitos financeiros só será alcançável se, e quando, os estados recuperarem o efectivo controlo sobre a criação da moeda. Injectar biliões de unidades monetárias, oriundas dos impostos dos cidadãos, para manter em funcionamento sectores de actividade que persistem em manter práticas abusivas e lesivas do interesse daqueles que os financiam não é apenas irracional, no ponto de vista económico e dentro do contexto das chamadas economias de mercado, como criminoso do ponto de vista social e ético.

Mas é precisamente isto a que temos assistido (e que tudo o indica iremos continuar a assistir), a menos que os decisores políticos sejam levados a entender a necessidade de responder aos anseios da maioria dos contribuintes e a agir em sua defesa e na da vertente realmente produtiva da economia, o que apenas será possível se à nacionalização da banca e seguradoras se acrescentar a extinção do monopólio bancário da criação de moeda.
__________
[1] Essa foi a questão mais destacada pelo EXPRESSO e que, inclusivamente, deu o título à notícia «UE chega a acordo sobre plano para "activos tóxicos" bancários».
[2] Já no “post” «NOVA ARQUITECTURA FINANCEIRA» tinha referido esta posição de Paul Krugman e também o endereço do artigo do NEW YORK TIMES onde a apresentou.
[3] Ver a notícia da BBC NEWS sobre o assunto.
[4] Note-se que a expressão ”contribuintes” deve ser entendida no sentido mais lato possível, pois o ónus das medidas sentir-se-á com maior acuidade nas próximas gerações devido aos enormes montantes envolvidos e ao facto destes estarem sujeitos ao pagamento de juros que se estenderão por décadas.